quarta-feira, março 10, 2004

A CUSPIDELA

Farto de malhar no governo, na Manela, no Durão, no famigerado Portas, decidi, duma vez por todas, deixar esses infelizes entregues a si próprios e à fatigante tarefa de dar cabo do que resta deste país, e partir, definitivamente para outra. Não era do meu total desagrado malhar nos céguinhos, mesmo, como eu, fosse um céguinho entre muitos a fazê-lo (ai o Saramago quando ler isto!). Mas o assunto já estava a ficar obsoleto tal a rotina diária de atentados à estupidez humana que brota deste governo, dos seus indefectíveis seguidores, dos seus comentadores lambe-botas em jornais diários e semanais, da sua miséria franciscana digna de país terceiro mundista em continente a inventar algures entre a América do Sul e África. E como além de céguinho sou estúpido, nada acrescenta à minha inteligência ou à minha visão esta tendência masoquista de malhar em ferro frio. Vou, pois, e por tempo indeterminado, deixar de lado esses comentários e passar a escrever sobre coisas bem mais interessantes, quiçá para espevitar ou fazer encolher o balão de inteligência dos luso-paspalhos, dos quais, por ironia do destino, tenho o orgulho de fazer parte. E para começar nada melhor do que dissertar sobre A CUSPIDELA.

A cuspidela é um acto comum e vulgar em quase todos os luso-paspalhos. É considerado um acto de afirmação de portugalidade, pois que eu saiba, raros são os povos que o fazem com tanto empenho, prontidão e sabedoria. O cuspo, sendo por definição uma substância segregada pelas glândulas salivares, deve ser manuseado com dignidade. Nada de esconder a cuspidela num escarrador como fazem os chineses, pois isso equivale a um temperamento fechado, picuínhas, e sem qualquer nivel.
A cuspidela deve ser expelida com velocidade e altura, deve encher bem a boca, deve ficar bem marcada no pavimento, de preferência a amarelo ou a verde alface, e por isso mesmo deve mostrar-se bem visível. Reparem na fotogenia de um jogador de futebol quando cospe para a relva em directo na televisão. Este acto é tanto mais nobre e contundente quanto mais real e oportuno fôr. Não tem piada nenhuma uma cuspidela em diferido ou em câmara lenta. É como um insulto ao contrário, e este acto digno de cuspir pode voltar-se contra o próprio cuspidor.
A cuspidela para o chão é, para a maioria dos luso-paspalhos, um acto quase inconsciente, quase uma maneira de ser. Mas a cuspidela para um sítio determinado pode ter vários significados. Por exemplo, cuspir no pirilau pode ser uma forma útil de substituir a vaselina, ou um sinal de desprezo para com o dito membro quando ele se esquece de cumprir as suas obrigações. Cuspir na mão e esfregar pode significar um acto de higiene quando há falta de água e sabão, cuspir no sapato pode ser uma boa alternativa à graxa, cuspir contra o vento pode ser uma forma de narcisismo, pois levar na própria cara com o seu próprio cuspo terá o seu quê de vaidade. Devem ser seguidas algumas regras de boa educação quando se cospe. Nunca, mas mesmo nunca, cuspa na cara de alguém. É preferível, neste caso, expelir um bom escarro. O atingido ficará logo a saber o grau de consideração que lhe é devido pelo sujeito escarrador. Mas mais refinada é a cuspidela no olho. Se quer mesmo ofender alguém e não tem palavrão suficientemente comprido que lhe chegue, então cuspa-lhe para o olho. Até pode cuspir-lhe fininho, que a reacção será a mesma.
E pronto. Jurei há umas linhas atrás que não tornaria a falar do mesmo, a malhar sempre nos mesmos desgraçados e tenciono cumprir a promessa. Não gastarei mais latim com essa gente. Nem que fique com a boca seca de tanto lhes cuspir em cima.

Sem comentários:

Enviar um comentário