sexta-feira, abril 29, 2011

Feijão Carrapato...

Bem sei que eu, ao pé deste ilustre personagem, não passo de um borra-botas e de um total desconhecido. Que nunca me licenciei na Católica nem leccionei por lá, nunca obtive um mestrado na Universidade Nova nem em Wharton, nunca fui administrador da Quimigal, da Colgate Palmolive, do Espírito Santo, da Vodafone nem pertenci ao concelho editorial do Diário Económico nem à Apritel (Associação dos Operadores Privados de Telecomunicações). Eu, como trabalhador por conta doutrem há trinta e tal anos devo ser visto como um verme que se esmaga com o tacão da bota por este cavalheiro, cujas benesses em popós de luxo, cartões dourados, e prémios adminstrativos devem suplantar centenas de vezes o meu orçamento familiar anual. Pois este cavalheiro preside ao movimento “Mais Sociedade”, entidade reciclada do “Compromisso Portugal” que ele também fundou e acarinhou. Pergunto o que leva este indivíduo, a quem não nego o mérito de ser o que é e a ganhar o que ganha, a botar discurso, adiantar sugestões e propor soluções que são autênticas escarradelas na cara de quem anda a contar os tostões uma vida inteira para sobreviver. O que entristece é que indivíduos deste calibre aparecem sempre que a crise se agudiza, contribuindo para afundar mais o que já está no fundo, mas enfeitando o discurso canalha com esguichadelas de chantilly para não parecer tão amargo. Que necessidade tem este fulano e outros como ele, que se abifaram de mordomias sem qualquer sentido para o exercício da sua actividade profissional, de engrossar o caudal da pulhice nacional, bem expressa nos vomitórios institucionais do PS, PSD e CDS e de todos os indigentes que os rodeiam? Terão medo do FMI que nem sequer lhes vai cobrar um cêntimo ou a coisa é muito mais complexa? Esta mania de quem está bem na vida mostrar protagonismo e sabedoria aos da estranja diz bem da sua própria natureza. São eles que sabem tudo, pois são os vitoriosos da vida, bem acima da escumalha que não soube aproveitar as vantagens e benesses que o capitalismo pôs à sua disposição. Vejam, senhores do FMI, não nos confundam com os tugas que frequentam a escola pública, o hospital de Santa Maria, a Carris e a CP, e moram na Amadora. Nós, como inteligentes que somos, só andamos de BMW para cima e moramos em condomínios de luxo com vista para o mar ou a Serra de Sintra.


Ainda vão ter cãimbras por andarem tanto em bicos de pés.

terça-feira, abril 12, 2011

O Far-West já não é o que era


Peter Steps Rabbit sacudiu o guarda-pó, ajeitou o chapéu de aba larga de pele de gamo, levou por instinto a mão à coronha do revolver que pendia à cintura, respirou fundo, e conduziu a cavalgadura em passo lento em direcção à rua principal e única de Bethsalem City. Desde que assumira a chefia da quadrilha Orange que ansiava por um duelo que fizesse aumentar o seu prestígio junto dos seus capangas. Mas para isso teria de eliminar o líder da quadrilha Rose, o impiedoso, sádico e resistente Filósofo. A partilha do território entre estas duas quadrilhas tinha sido mais ou menos pacífica e tolerada, contando por vezes com o apoio tácito e oportunista do reduzido grupo de Paul Doors, que ansiava por um lugar à mesa de poker de Days Laurel e Olive Tree of Coast, famosos pela batota às cartas mas que permitia ao dono do saloon ir mantendo o seu negócio de prostitutas e bebidas alcoólicas manhosas sem o xerife a chatear. Os Roses e os Oranges lá iam controlando à vez os negócios, oferecendo território ao caminho de ferro em troca de acções e títulos nas empresas que o exploravam, território esse obtido à custa da expulsão dos Apaches cujo chefe Jerónimo resistia esperando uma oportunidade para ripostar e iniciar a reconquista. Mas apesar do apoio esporádico da tribo Left Block os apaches mal saiam da sua reserva no sul, provocando por vezes uma ou outra escaramuça sem importância ou dançando a dança da chuva. Os Roses controlavam há demasiado tempo todo o território e os Oranges estavam impacientes para ocupar o seu lugar.

Peter Steps Rabbit assumira a chefia da quadrilha Orange depois da derrota de Calamity Nelinha Milk frente ao Filósofo, apesar deste ter levado com um ou dois balázios que deixaram mossa. E Peter já começava a ser contestado pois a sua reputação não ia além de um assalto a uma florista em Bad Mass City. Comparado com o Filósofo, era um menino de coro. O assalto em Freeport City, as suspeitas de envolvimento na seita Hidden Face, a má fama em Guard City e Wool Lair, era um currículo invejado e difícil de bater por um pistoleiro como Peter, que quando disparava acertava quase sempre num pé, que na maioria das vezes era seu. Nem o assédio descarado ao pastor Frank Noble, homem virtuoso que volta e meia ia ensinar os índios da pradaria a comer com faca e garfo, baixou a contestação.
E foi assim que Peter Steps Rabbit em acto de desespero desafiou o Filósofo para um duelo até à morte em Bethsalem City.
O Filósofo surgiu ao fundo da rua principal todo vestido de negro, montado no seu corcel também negro, o que produzia o estranho efeito de não se saber onde começava o homem e acabava a cavalgadura.
No outro lado Peter Rabbit desmontou com elegância, prendeu o cavalo à entrada do salloon, e aguardou. O filósofo desmontou por sua vez, enxotou o cavalo com uma palmada e aguardou.
Enquanto o ponteiro dos minutos do relógio da torre rodava lentamente em direcção meio-dia, os dois homens fitavam-se olhos nos olhos sem pestanejar. Nem um pássaro piava, nem um cão ladrava, nem um mosquito zunia. O embate estava prestes a começar.

Já os dois duelistas suavam que nem porcos e preparavam- se para sacar das pistolas, e o relógio da torre iniciava a contagem das 12 badaladas do meio-dia, quando à décima badalada um grito tronitroante fez parar o relógio: - Alto! E pára o baile!
O famigerado juiz Anibal C. Silver , outrora famoso fora-da-lei, fora o autor do grito que impediu o duelo fatal. Rodeado pelos rancheiros mais ricos do território, Alexis Juarez of Ghosts, Richard Salty, Frank Ulrich e Joe Berard, o juiz Silver, homem seco e anti-social, desarmou os duelistas, pregou dois pares de chapadas em cada um, e botou discurso:

- Acabou-se! Já não há terra arável no território, o caminho de ferro dá prejuízo, os batoteiros viciaram as cartas todas, os xerifes já só aceitam subornos em dólares de papel, os assassinos profissionais só trabalham a pronto-pagamento, os bancos já foram todos assaltados e com tantos bandidos desempregados até os banqueiros viraram malfeitores! Não podemos gastar mais dinheiro em duelos inúteis nem a caçar índios na pradaria. Das duas, uma: ou resolvemos isto de vez a contento de todos, ou mudamos para Leste.
É claro que o Filósofo não gostou do par de chapadas e prometeu vingança, Peter Rabbit corou de vergonha e foi fazer queixinhas ao seu acessor Michael Grass, e até o juiz Anibal C. Silver ficou um pouco constrangido pela sua atitude. O que não impediu que a cavalaria acabadinha de chegar de Washington entrasse pela cidade dentro, esvaziasse o bar do salloon até à última gota, partisse a mobília e o piano, incendiasse a igreja, fodesse as prostitutas, levasse todo o dinheiro que ainda havia no banco e cerrasse fileiras em direcção à reserva índia, onde ainda existiam algumas peles de bisonte, contas e colares para saquear.

Uns dias depois os abutres invadiram o território deserto onde se banquetearam com as poucas sobras existentes. Do que se sabe, tanto o Filósofo como Peter Steps Rabbit dividem entre si um lugar de porteiro na Reserva Federal, o juiz Anibal C. Silver goza de especial reforma no sul do território a conta e despesa dos seus amigos Days Laurel e Olive Tree of Coast, o chefe Jerónimo continua na reserva a dançar para que chova mas sem sucesso, e o esquecido Paul Doors anda de cidade em cidade a vender tónicos contra a queda do cabelo.

O Far-West já não é o que era. Definitivamente.

Em promoção, num supermercado perto de si


(Imagem surripiada daqui)