terça-feira, abril 12, 2011

O Far-West já não é o que era


Peter Steps Rabbit sacudiu o guarda-pó, ajeitou o chapéu de aba larga de pele de gamo, levou por instinto a mão à coronha do revolver que pendia à cintura, respirou fundo, e conduziu a cavalgadura em passo lento em direcção à rua principal e única de Bethsalem City. Desde que assumira a chefia da quadrilha Orange que ansiava por um duelo que fizesse aumentar o seu prestígio junto dos seus capangas. Mas para isso teria de eliminar o líder da quadrilha Rose, o impiedoso, sádico e resistente Filósofo. A partilha do território entre estas duas quadrilhas tinha sido mais ou menos pacífica e tolerada, contando por vezes com o apoio tácito e oportunista do reduzido grupo de Paul Doors, que ansiava por um lugar à mesa de poker de Days Laurel e Olive Tree of Coast, famosos pela batota às cartas mas que permitia ao dono do saloon ir mantendo o seu negócio de prostitutas e bebidas alcoólicas manhosas sem o xerife a chatear. Os Roses e os Oranges lá iam controlando à vez os negócios, oferecendo território ao caminho de ferro em troca de acções e títulos nas empresas que o exploravam, território esse obtido à custa da expulsão dos Apaches cujo chefe Jerónimo resistia esperando uma oportunidade para ripostar e iniciar a reconquista. Mas apesar do apoio esporádico da tribo Left Block os apaches mal saiam da sua reserva no sul, provocando por vezes uma ou outra escaramuça sem importância ou dançando a dança da chuva. Os Roses controlavam há demasiado tempo todo o território e os Oranges estavam impacientes para ocupar o seu lugar.

Peter Steps Rabbit assumira a chefia da quadrilha Orange depois da derrota de Calamity Nelinha Milk frente ao Filósofo, apesar deste ter levado com um ou dois balázios que deixaram mossa. E Peter já começava a ser contestado pois a sua reputação não ia além de um assalto a uma florista em Bad Mass City. Comparado com o Filósofo, era um menino de coro. O assalto em Freeport City, as suspeitas de envolvimento na seita Hidden Face, a má fama em Guard City e Wool Lair, era um currículo invejado e difícil de bater por um pistoleiro como Peter, que quando disparava acertava quase sempre num pé, que na maioria das vezes era seu. Nem o assédio descarado ao pastor Frank Noble, homem virtuoso que volta e meia ia ensinar os índios da pradaria a comer com faca e garfo, baixou a contestação.
E foi assim que Peter Steps Rabbit em acto de desespero desafiou o Filósofo para um duelo até à morte em Bethsalem City.
O Filósofo surgiu ao fundo da rua principal todo vestido de negro, montado no seu corcel também negro, o que produzia o estranho efeito de não se saber onde começava o homem e acabava a cavalgadura.
No outro lado Peter Rabbit desmontou com elegância, prendeu o cavalo à entrada do salloon, e aguardou. O filósofo desmontou por sua vez, enxotou o cavalo com uma palmada e aguardou.
Enquanto o ponteiro dos minutos do relógio da torre rodava lentamente em direcção meio-dia, os dois homens fitavam-se olhos nos olhos sem pestanejar. Nem um pássaro piava, nem um cão ladrava, nem um mosquito zunia. O embate estava prestes a começar.

Já os dois duelistas suavam que nem porcos e preparavam- se para sacar das pistolas, e o relógio da torre iniciava a contagem das 12 badaladas do meio-dia, quando à décima badalada um grito tronitroante fez parar o relógio: - Alto! E pára o baile!
O famigerado juiz Anibal C. Silver , outrora famoso fora-da-lei, fora o autor do grito que impediu o duelo fatal. Rodeado pelos rancheiros mais ricos do território, Alexis Juarez of Ghosts, Richard Salty, Frank Ulrich e Joe Berard, o juiz Silver, homem seco e anti-social, desarmou os duelistas, pregou dois pares de chapadas em cada um, e botou discurso:

- Acabou-se! Já não há terra arável no território, o caminho de ferro dá prejuízo, os batoteiros viciaram as cartas todas, os xerifes já só aceitam subornos em dólares de papel, os assassinos profissionais só trabalham a pronto-pagamento, os bancos já foram todos assaltados e com tantos bandidos desempregados até os banqueiros viraram malfeitores! Não podemos gastar mais dinheiro em duelos inúteis nem a caçar índios na pradaria. Das duas, uma: ou resolvemos isto de vez a contento de todos, ou mudamos para Leste.
É claro que o Filósofo não gostou do par de chapadas e prometeu vingança, Peter Rabbit corou de vergonha e foi fazer queixinhas ao seu acessor Michael Grass, e até o juiz Anibal C. Silver ficou um pouco constrangido pela sua atitude. O que não impediu que a cavalaria acabadinha de chegar de Washington entrasse pela cidade dentro, esvaziasse o bar do salloon até à última gota, partisse a mobília e o piano, incendiasse a igreja, fodesse as prostitutas, levasse todo o dinheiro que ainda havia no banco e cerrasse fileiras em direcção à reserva índia, onde ainda existiam algumas peles de bisonte, contas e colares para saquear.

Uns dias depois os abutres invadiram o território deserto onde se banquetearam com as poucas sobras existentes. Do que se sabe, tanto o Filósofo como Peter Steps Rabbit dividem entre si um lugar de porteiro na Reserva Federal, o juiz Anibal C. Silver goza de especial reforma no sul do território a conta e despesa dos seus amigos Days Laurel e Olive Tree of Coast, o chefe Jerónimo continua na reserva a dançar para que chova mas sem sucesso, e o esquecido Paul Doors anda de cidade em cidade a vender tónicos contra a queda do cabelo.

O Far-West já não é o que era. Definitivamente.

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