quarta-feira, abril 23, 2008

Prontos para a tosquia



Qualquer rebanho tem tendência em seguir o bode mais velho, o que tem os cornos mais duros. Isto quando o cão de guarda não ferra o dente em algum quadril para se fazer respeitar. O respeitinho tem de facto uma hierarquia, uma linha recta de autoridade.
No rebanho, o cão ladra e morde para impor um determinado sentido, enquanto o bode discute à marrada o direito à supremacia sobre os outros machos pelo domínio das fêmeas. De facto, quem manda é o cão, que tem mais a ver com matilhas do que com rebanhos.
Quando o rebanho se tresmalha, cada macho tende a formar o seu próprio grupo pastoril seduzindo os outros, movendo influências, apelando às élites. Por vezes o bode velho remete-se a um silêncio táctico, deixa os outros avançar e tomar a dianteira, deixa-os levar o rebanho até à beira do precipício. Quando o leite azeda, o bode velho chega-se à frente empurrado pelos outros bodes, pois sabem que mais cedo ou mais tarde a sua vez há-de chegar.
Quanto ao pasto, terá de servir apenas para os mais chegados. Os outros, os cordeirinhos, servirão apenas para empurrar o bode velho até ao comando do rebanho, e depois serão descartados implacávelmente. É que há sempre um lobo mau à espreita na floresta que necessita de ser alimentado. Às vezes veste uma pele de cordeiro, outras confunde-se com um cão de guarda.
Por estas e por outras é que já se confundem rebanhos com varas de porcos cor-de-rosa.

sexta-feira, abril 18, 2008

O que será de nós?



Sem o Herman, com os "Gato Fedorento" em hibernação, com o Santana caladinho, só restava este rei da comédia para animar. Será que vai e não volta?

Sinceramente, num país com tanta falta de humor deviam conservar quem tem um talento inato para fazer rir.
Há quem se esforçe, mas nunca terá piada.

brown nose

... ou ass-kisser, para designar os famigerados lambe-cús que proliferam um pouco por toda a sociedade.
Isto em inglês até tem mais piada To suck up or be very nice to your boss or teacher to earn special treatment..
No actual PSD adivinha-se uma mão cheia deles para os tempos mais próximos.

segunda-feira, abril 14, 2008

Consumistas de todo o mundo, uni-vos!

A maior dificuldade em ir ao hipermercado prende-se com a falta de paciência. Atura-se de tudo, e o que é mais grave, ninguém é dono do seu próprio tempo. Mal chego tiro logo uma senha de peixe para amanhar e vou directo para a fila do pão fresco para ganhar tempo, depois passo para a fila do queijo fatiado, em seguida do fiambre da perna, recolho as hortaliças e as frutas e vou para a fila da pesagem, a meio caminho entre os corredores de comida de gato e roupa de saldo dou de caras com o fulano que esteve comigo na associação de não sei quantos, a fazer já não me lembra o quê, e se me esqueci do nome do tipo ao fim de dois ou três anos, o gajo lembra-se do meu perfeitamente e lá vem o rol de cumprimentos, palmadas nas costas, e por fim as queixas da política, do sistema, da sogra, do cão que percebe tudo o que se lhe diz, do filho que tirou 10 a Matemática, da filha que está vai não vai para entrar na Universidade, e que vai alternando entre as caixas do Pingo Doce e as vendas de roupa do Corte Ingles, enfim, um rol de banalidades. Tento despachar o tipo o mais diplomáticamente possível, mas a coisa está difícil. E quando estou quase a enfiar-lhe uma garrafa de cerveja pelo olho esquerdo, eis que lhe toca o telemóvel, é pá, desculpa é a minha mulher, e eu respiro fundo, recolho a cerveja no carrinho, despacho-o com um “gosto em ver-te” e até à próxima, oxalá seja na terra do são nunca à tarde, que nem o cabrão do teu nome eu consigo recordar. Às tantas lembro-me da senha do peixe para amanhar e lá vou eu a acelerar fazendo gincanas arriscadas pelo meio dos carrinhos de compras, carrinhos de bébés, velhas decrépitas, putos à procura dos pais, bétinhas agarradas ao telemóvel. Quando vejo que o número de ordem da peixaria está mais de uma dezena à frente do meu a vontade de partir qualquer coisa ganha cada vez mais força mas em vez disso tiro outra senha e aguardo calmamente a minha segunda vez. Somos um país de brandos costumes, nada de exageros. Ao fim de uma hora de silencioso desespero e já com os chicharros devidamente amanhados a contaminarem de mau cheiro as couves e os alhos franceses, empurro o carrinho em direcção às caixas, e acontece que por coincidência a que tem menos gente na fila é aquela que “vai fechar” como diz a lambisgóia com cara de assobio que está de serviço à caixa. A minha sina é esta, vou para outra fila, a coisa vai andando lentamente com o puto que está com a mãezinha à minha frente a encher-lhe o carrinho com pastilhas elásticas, a mamã a dizer que não “porque ficas sem dentes” o puto insiste, faz birra, reprimo a vontade de lhe abonar a fuça com um tabefe bem dado, mas pôrra!, depois o fodido era eu, e a mamã lá cede, com um encolher de ombros. Mas há sempre mais qualquer coisa a emperrar o sistema, ou é um código de barras que não passa e é preciso chamar alguém para resolver o assunto e ninguém atende o telefone, ou alguém se esqueceu de pesar os bróculos, e quando estou prestes a cortar os pulsos eis que chega a minha vez. Não sei o que faria à menina da caixa se por ironia do destino o multibanco ficasse de repente fora de serviço, creio que um golpe assim na minha insanidade mental levaria a transformar a menina num código de barras.
Como se vê, quem anda às voltas em hipermercados está em permanente suspensão num precipício sem fim, num muito bem afiado fio de navalha. E depois queixam-se que a vida está cara, que a culpa é do governo, que a culpa é da oposição, que a culpa é do raio que nos parta a todos. Se houvessem mais hipermercados mais a clientela se dispersava por todos eles, e assim uma suicida sessão de compras poderia tornar-se num prazer orgástico para toda a família, e num belo exemplo a apresentar pelo sucesso da sociedade de consumo.
Consumistas de todo o mundo, uni-vos!

quinta-feira, abril 10, 2008

O barco já mete água e o Comandante continua em parte incerta - IV

-Quero um naufrágio, já!
Assim berrou o Intelectual quando finalmente conseguiu subir ao cesto da gávea pela 1ª vez. No convés os restantes tripulantes trocaram de olhares e encolheram os ombros. A abstinência prolongada pode provocar alucinações e raivas a despropósito. Das duas uma: ou se abria mais um garrafão de tinto para dissipar o nevoeiro mental de que padecia a Tripulação, ou se iria discutir esta tirada impertinente do Intelectual. Discussão iniciada sobre o que se iria fazer, optou-se por abrir o tal garrafão enquanto se dissertava sobre a exigência do Intelectual. Com esta conclusão o 1º Cabo de Serviço à Pipa subiu o mastro de contentamento e mergulhou lá de cima para o convés falhando as brasas do assador por milímetros. O Assador-mor ainda praguejou mas o Protocolo logo o reprimiu enchendo-lhe o copo até ao bordo. Foi decidido parar com todas as tarefas náuticas enquanto de resolvia a questão. O Cabo de Sinais guardou as bandeiras e sacudiu os sinais de fumo, o Decano largou a meio a sonorização do seu filme “Incertezas de uma Pedra no Silêncio de um Rio Dourado”, o 2º (e único) Remador recolheu o remo no coldre, o Toca o Badalo interrompeu a 5ª Sinfonia de Chopin para Badalo e Chocalho, o Pubic Relations escondeu a “Play-Boy” no cacifo, o Disc-jockey pôs o gira-discos em “pause”, o Timoneiro acordou, e o 1º Cabo de Serviço à Pipa subiu mais uma vez ao mastro desta vez para trazer o Intelectual puxado por uma orelha. E com a moderação consentida do Protocolo a assembleia começou.
Não vale repetir aqui os brilhantes argumentos destes tripulantes sobre a exigência do Intelectual. Desde “se o Titanic naufragou nós também temos esse direito” e “marinheiro ou náufrago, não há meio termo”, ou ainda “acorrentem o Intelectual e queimem-lhe os livros”, de tudo foi dito nesta histórica reunião. De tal maneira a discussão foi acesa que o único ponto de concórdia só foi conseguido à custa de um novo garrafão de tinto: precisamente a decisão de abrir ou não esse mesmo garrafão. No final, e já com o mar calmo, foi resolvido deixar a decisão final para o Comandante que, como é sabido, continua em parte incerta.
Já o Decano, com a total sabedoria que lhe confere a sua avançada idade pensou para com os seus botões : “É incrível como esta Tripulação consegue naufragar sem tempestade. Isto é que é auto-suficiência.”