A maior dificuldade em ir ao hipermercado prende-se com a falta de paciência. Atura-se de tudo, e o que é mais grave, ninguém é dono do seu próprio tempo. Mal chego tiro logo uma senha de peixe para amanhar e vou directo para a fila do pão fresco para ganhar tempo, depois passo para a fila do queijo fatiado, em seguida do fiambre da perna, recolho as hortaliças e as frutas e vou para a fila da pesagem, a meio caminho entre os corredores de comida de gato e roupa de saldo dou de caras com o fulano que esteve comigo na associação de não sei quantos, a fazer já não me lembra o quê, e se me esqueci do nome do tipo ao fim de dois ou três anos, o gajo lembra-se do meu perfeitamente e lá vem o rol de cumprimentos, palmadas nas costas, e por fim as queixas da política, do sistema, da sogra, do cão que percebe tudo o que se lhe diz, do filho que tirou 10 a Matemática, da filha que está vai não vai para entrar na Universidade, e que vai alternando entre as caixas do Pingo Doce e as vendas de roupa do Corte Ingles, enfim, um rol de banalidades. Tento despachar o tipo o mais diplomáticamente possível, mas a coisa está difícil. E quando estou quase a enfiar-lhe uma garrafa de cerveja pelo olho esquerdo, eis que lhe toca o telemóvel, é pá, desculpa é a minha mulher, e eu respiro fundo, recolho a cerveja no carrinho, despacho-o com um “gosto em ver-te” e até à próxima, oxalá seja na terra do são nunca à tarde, que nem o cabrão do teu nome eu consigo recordar. Às tantas lembro-me da senha do peixe para amanhar e lá vou eu a acelerar fazendo gincanas arriscadas pelo meio dos carrinhos de compras, carrinhos de bébés, velhas decrépitas, putos à procura dos pais, bétinhas agarradas ao telemóvel. Quando vejo que o número de ordem da peixaria está mais de uma dezena à frente do meu a vontade de partir qualquer coisa ganha cada vez mais força mas em vez disso tiro outra senha e aguardo calmamente a minha segunda vez. Somos um país de brandos costumes, nada de exageros. Ao fim de uma hora de silencioso desespero e já com os chicharros devidamente amanhados a contaminarem de mau cheiro as couves e os alhos franceses, empurro o carrinho em direcção às caixas, e acontece que por coincidência a que tem menos gente na fila é aquela que “vai fechar” como diz a lambisgóia com cara de assobio que está de serviço à caixa. A minha sina é esta, vou para outra fila, a coisa vai andando lentamente com o puto que está com a mãezinha à minha frente a encher-lhe o carrinho com pastilhas elásticas, a mamã a dizer que não “porque ficas sem dentes” o puto insiste, faz birra, reprimo a vontade de lhe abonar a fuça com um tabefe bem dado, mas pôrra!, depois o fodido era eu, e a mamã lá cede, com um encolher de ombros. Mas há sempre mais qualquer coisa a emperrar o sistema, ou é um código de barras que não passa e é preciso chamar alguém para resolver o assunto e ninguém atende o telefone, ou alguém se esqueceu de pesar os bróculos, e quando estou prestes a cortar os pulsos eis que chega a minha vez. Não sei o que faria à menina da caixa se por ironia do destino o multibanco ficasse de repente fora de serviço, creio que um golpe assim na minha insanidade mental levaria a transformar a menina num código de barras.
Como se vê, quem anda às voltas em hipermercados está em permanente suspensão num precipício sem fim, num muito bem afiado fio de navalha. E depois queixam-se que a vida está cara, que a culpa é do governo, que a culpa é da oposição, que a culpa é do raio que nos parta a todos. Se houvessem mais hipermercados mais a clientela se dispersava por todos eles, e assim uma suicida sessão de compras poderia tornar-se num prazer orgástico para toda a família, e num belo exemplo a apresentar pelo sucesso da sociedade de consumo.
Consumistas de todo o mundo, uni-vos!
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