terça-feira, outubro 23, 2007

A tasca estava à cunha


A tasca estava à cunha, eram ao todo 27 clientes. O gerente e o anfitrião distribuíram a ementa, recolheram os pedidos, e quando fizeram a contagem faltavam dois pratos: o italiano e o polaco não tinham pedido nada. O gerente reclamou que assim não podia ser, o anfitrião aproveitou para fazer jogging à volta do quarteirão, o polaco fechou-se em copas, o italiano abriu-se em paus. Em coro pediram o livro de reclamações. O gerente interrompeu o jogging do anfitrião a meio da 5ª volta, e manifestou a sua preocupação: - E a ASAE? Se a ASAE aparece por aí?
O anfitrião aconselhou calma, despiu o fato de treino, tomou um duche frio, perfumou-se discretamente, treinou o seu melhor sorriso em frente ao espelho, e entrou na sala resplandecente. O italiano queria uma pizza que não estava no menu, o polaco só comeria se pudesse sentar-se entre o cliente francês e a cliente alemã. Depois de dolorosas negociações, algumas escaramuças, uns tantos sopapos e uns copos de vodka a coisa ficou assim:
o polaco aceitou ficar ao lado da cliente alemã e do cliente espanhol, que assim teve de ceder a sua posição. O gerente, sempre zeloso, propôs que se juntasse mais outra mesa. O italiano viu a sua pizza ser incluída no menu, embora não pudesse levar pimentos por causa das digestões difíceis.
Finalmente toda a gente pareceu satisfeita: o francês deixou escapar um “enfin, c’est la vie!”, o inglês suspirou “shame on you!”, a alemã pregou “mein gott!”, o espanhol cantou “Olé!”, o anfitrião deixou escapar um “porreiro, pá!”, ao que o gerente respondeu “bué, meu!”.
Depois do repasto e dos brindes da praxe, a conta foi enviada aos duzentos mil manifestantes que aguardavam lá fora.
“Fooooda-se...!”, exclamaram todos em coro afinado.

sexta-feira, outubro 19, 2007

Do Sebastião e afins

Andava eu em ameno passeio de metro à hora de ponta quando dou com o Sebastião na gare de Sperm Station encostado a um anúncio luminoso de caviar sudanês. Ali estava ele, impávido, a ver passar os comboios. Estava mais magro, mais bronzeado, e impecávelmente vestido com um fato cinzento Vito Corleone com camisa e gravata a condizer. Cumprimentei-o efusivamente tendo em conta as noites perdidas no passado em fados e guitarradas, mas o tipo retribuiu com a frieza própria dos gajos importantes que subiram na vida fazendo dos outros degraus. Estranhei esta atitude, pois o Sebastião não era nada dado a estas merdas, era até humilde e pacato, quiçá brando,como é vulgar cá no burgo. Apesar da gelada recepção convidei-o a tomar um copo em memória do passado ao que ele aceitou na condição de ser ele a escolher o local. E lá fomos ao Barroso´s, bar da moda entre opinadores de economia&finanças e acompanhantes de alterne. Confesso que nunca ali tinha entrado, e quando deparo com meninos imberbes e borbulhentos com cabelinho à mete nojo e saco de ténis a tiracolo, rodeados de fulanas podres de boas e pobres de espírito, mais uns tipos com pinta de doutores na reforma com o cabelo cinzento enrolado por cima da gola da camisa para disfarçar a ausência na parte de cima, pensei logo em ir embora, mas já o Sebastião penetrava num grupo heterógeneo de espécimens já descritos e se exibia entre apertos de mão, sorrisos Colgate e apalpões de mamas. Apresentou-me como Fulano de Tal, conhecido de longa data, e insigne representante dessa classe indistinta e distante conhecida como povo. Reparei na curiosidade entremeada de alguma repulsa pela minha indumentária comprada na feira de Carcavelos, pela minha barba mal feita, pelos meus óculos escuros made in China. Apenas duas das tais podres de boas se acercaram de mim enfiando os braços nos meus, e perguntando com voz melosa o que eu iria beber. Pedi guaguejando uma imperial, mas não mencionei cautelosamente os tremoços pois naquele ambiente poderia dar para o torto. Enquanto isso o Sebastião parecia mais divertido, segredando inconfidências com os outros figurantes enquanto olhava para mim com ar de gozo. A um sinal do Sebastião as tipas soltaram-me de repente quando eu já estava a ficar com cócegas no escroto, o tipo obriga-me a sentar a um canto recatado do balcão onde o barman nos serve as bebidas, a minha imperial e uisque de malte para o Sebastião. Confesso que não aprovei a troca, a coisa prometia uma tarde bem passada em triunvirato, mas senti uma ponta de curiosidade pelo que viria a seguir. E vai daí o Sebastião desbobina toda a história, desde os tempos de caloiro na Faculdade Oportunista. Aí conhecera um aprendiz de mercenário, que é como se designam os estudantes desta Faculdade, um gajo bem encostado politicamente e bem colocado no top-ten dos melhores alunos. Privou com ele, engraxou-lhe os sapatos, sacudiu-lhe o pó, lavou-lhe o Mercedes quando o homem se fez ministro, apoiou-o à chefia do partido. Depois o tipo baldou-se sem água vai nem água vem e o Sebastião ficou desempregado. Ainda assim continuou a frequentar os meandros do poder e do oportunismo, e graças a isso e ao seu charme particular conseguira um lugar privilegiado como observador de comboios em horas ponta. O mais chato, segundo ele, era elaborar relatórios constantes sobre as idas e vindas, movimentos de passageiros, conversas ao acaso, enfim, um inquérito silencioso à classe popular. E vai daí propõe-me um emprego como seu assessor, ou seja, eu ficaria a ver passar os comboios e a fazer relatórios enquanto ele teria assim mais tempo para se dedicar às suas exigências sociais, com e sem acompanhantes. Apesar do ordenado ser substancialmente superior à minha pobre pensão de incapacidade para o trabalho (sofro de preguiça crónica e bocejo matinal faseado) recusei a proposta, e depois de algumas insistências da parte dele, e de mais umas quantas imperiais, e de mais promessas de contrapartidas e gajas boas uma vez por mês, levantei-me, voltei-lhe as costas e deixei-o a falar sózinho.
Agora sei que o Sebastião trabalha como moço de recados em cimeiras europeias, assim uma espécie de correio de telepizzas para divorciadas debochadas e solteironas atípicas. Não o tornei a ver nem ele tentou contactar-me. É pena, fiquei com saudades de o deixar a falar sózinho.

25 de Abril? Fónix...!



Envia o Timoneiro esta pérola da cultura portuguesa sobre o 25 de Abril.
Realmente, há povos que só têm o que merecem.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Isto anda muito às moscas

mas a realidade é que por aqui há uma epidemia de prisão de ventre. Aceitam-se fibras, mézinhas e laxantes. Nada de clistéres. Para isso já temos o Sócrates e os novos genéricos do PSD. Mas esses não entram na farmácia cá da casa. Antes de saírem para o mercado já estão fora de prazo.