sexta-feira, fevereiro 22, 2008

O Barco já mete água e o Comandante continua em parte incerta III

Quando o Timoneiro saiu do camarote para a 1ª mijinha do dia estranhou não haver movimento. Nem uma brisa soprando, nem as tábuas rangendo, nem as gaivotas grasnando. Chamou o Assador-mor que chamou o Decano que chamou o Pubic Relations que avisou o Toca o Badalo para tocar o badalo. O Cabo de Sinais acorda desta vez mal disposto, acorda o Protocolo por sua vez também mal disposto, abana o Intelectual que de tão mal disposto não se dispõe a acordar. A Tripulação forma no convés enquanto o Timoneiro procede à contagem (é o único tripulante que sabe contar). Não respondem à chamada o 2º (e único) Remador, o 1º Cabo-de-serviço-à-pipa e o Intelectual que como é sabido continua profundamente adormecido. O Decano ameaça demitir-se, o Assador-mor parece preocupado com a falta de carvão no porão, o Cabo de Sinais está-se cagando, o Protocolo parece perdido em conjecturas enquanto acende um havano, o Toca o Badalo prepara-se para iniciar novo concerto. De imediato o plano de emergência é activado: a tripulação divide-se em vários grupos de busca, uns vão para a proa, outros para a popa, uns procuram no convés, outros no porão, ninguém se lembra do cesto da gávea.
Lá em cima, no citado cesto, o 2º (e único) Remador tenta convencer o 1º Cabo-de-serviço-à-pipa que Cuba não passa de uma ilha rodeada de água por todos os lados, o 1º Cabo continua a duvidar e a Gaivota Decana que entretanto se dera a conhecer tricoteia um peúguinho de lã para oferecer ao Decano. No meio da rebaldaria ninguém repara no Chic Jockey que de jangada a remos aborda o navio, sobe a escada do portaló, põe o gira-discos a tocar “Omolete, Gentil Omolete” e aguarda que alguém lhe dê atenção. “Trago uma mensagem urgente do Comandante!” diz, empunhando um pergaminho cheio de nódoas de vinho. Perante a ansiedade geral o 1º Cabo-de-serviço-à-pipa atira-se do cesto da gávea e cai de cabeça no convés, o 2º (e único) Remador desliza pelo mastro encerado, a Gaivota Decana prefere não se meter nestes arremedos, que são coisas de Tripulantes.
“O Comandante justifica a sua ausência devido a uma missão secreta em Fátima-sur-mer! Espera que todos se portem bem e que não sejam queixinhas. Tenho dito!”.
Mal o Chic Jockey acaba de divulgar a mensagem e já o Timoneiro corre para ele com a roda do leme em riste. “Traidor! Na ausência do Comandante quem leva és tu!”. O Chic Jockey defende-se como pode, e atira-lhe com o gira-discos. o Assador-mor persegue por sua vez o Chic-Jockey com o fogareiro aceso, o 2º (e único) Remador com o remo, o Toca o Badalo com o badalo, o 1º Cabo-de-serviço-à-pipa com o barril, o Decano com a bobine que contém o último filme de Manuel de Oliveira, o Cabo de Sinais faz sinais de fumo, o Protocolo arrepela-se à beira do descontrole, o Intelectual continua a dormir profundamente. Está consumado o motim.
Depois da refrega e das feridas convenientemente suturadas pela eficaz agulha de tricot da Gaivota Decana, o 1º Cabo-de-serviço-à-pipa faz saltar a rolha do primeiro garrafão da manhã o que acorda o Intelectual, o Assador-mor prepara a grelhada escamando uma taínha, e toda a tripulação sem excepção se reúne no convés enquanto o navio navega uma vez mais, à deriva.
A um sinal imperceptível que só os tripulantes conhecem, todos se levantam de copo cheio na mão e bradam em uníssono antes de o esvaziar de um só trago:
“- Que se foda o Comandante!”

1 comentário:

  1. Há um recado para um dos membros da tripulação no http://antropocoiso.blogspot.com/2008/03/gente-v-se-na-matola.html

    Os outros também podem vir.

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