Todas as noites, depois do jantar, a avó Urzelina ia caçar baratas. Sentava-se na cadeira de balanço com a caçadeira ao colo, e fumava longas cachimbadas de cannabis durante a espera. É claro que as baratas mais experientes nunca apareciam nestas alturas e a avó acabava por adormecer no seu posto de vigília.
Um dia, quis o destino que o Rodas Baixas nos visitasse depois do jantar. Confundindo-o com uma barata, a avó despejou o carregador em cheio no desgraçado que além de ficar crivado de chumbinhos dos pés à cabeça, ainda encolheu seis centímetros. O Rodas Baixas era um sujeitinho picuínhas, pequenino, oportunista e lambe-botas de profissão, que estava sempre onde não parecia estar e desaparecia sempre que alguém dava por ele. Não admira, por isso, que a avó Urzelina o confundisse com uma barata.
Ferido no seu orgulho, o Rodas Baixas resolveu pedir uma indemnização porque naquele estado não poderia concorrer à liderança do partido. O tio Augusto respondeu que o partido já tivera chefes bem piores, tais como o Algarvio Cuspidor, o Fugitivo Durex ou o Mete-e-Tira da Lapa e sempre sobrevivera. Mas o Rodas não estava pelos ajustes. Meteu-nos a todos a tribunal (incluindo o papagaio Meireles).
- Não se preocupem, disse o tio Augusto. - O filósofo vai resolver isto num instante.
O certo é que o filósofo assim que soube do sucedido ameaçou aumentar os impostos e promover a venda livre de papel higiénico em todas as retretes públicas.
Por estranho que pareça, o Rodas Baixas concordou, retirou a queixa, e ainda nos indemnizou pelos danos sofridos. Cheios de guito, fomos logo todos em peso depositar o maná no Banco Espírito Santo Amén, muito na berra por ser um antro de depósitos monetários de pessoas muito importantes como El General Pinochet, herói da luta contra a alergia vermelha e extreminador de gentios. Qual não foi o meu espanto quando encontrei na fila de espera o Diogo, o Adriano, o Paulinho e a Zézita, todos com a massa na mão!
Este Banco é o máximo! Se El General pôs aqui o seu dinheiro nós também vamos pôr.
Mas o Diogo estava a surpreender-me. Teria voltado ao passado? Onde estavam as suas opiniões sobre política externa do Texas, que lhe valera uma promoção a ministro? Perguntei-lhe se o que se estava a passar não seria fruto da minha imaginação.
O Diogo chamou-me à parte e sussurou-me ao ouvido: - Não te metas em política, meu filho. Deixa isso para os políticos e para o filósofo, e toma cuidado para não teres o Rodas Baixas outra vez a morder-te os calos!
Depois de depositarmos o dinheiro, que nos daria para mais 3 semanas de sopa de cebola, recolhemos à nossa humilde casa de tijolo. Como sempre o tio Augusto refugiou-se no sótão, do qual só sairia na véspera do Natal, a avó Urzelina regressou à sua labuta diária de caçadora de baratas, e o Rodas Baixas afinal sempre se candidatou à chefia do partido. Como se tudo isto não bastasse, o Mete-e-Tira da Lapa ocupou o seu antigo lugar de presidente do Clube Malcheiroso da Latrina, cargo que tinha abandonado há uns meses para chefiar mais uma nobre equipa de saqueadores e violadores, entretanto demitida por falta de excessos.
No meio de tudo isto e das maminhas da prima Leonor, cá vou tentando perceber o que está a acontecer, se sou eu que sou estúpido e não percebo patavina, ou se essa coisa da política é mesmo só para os políticos, essas pessoas iluminadas que saiem sempre bem das confusões onde se metem.
Só não entendo o que se passa com o papagaio Meireles desde que fizemos o depósito na Banco Espírito Santo Amén. Passa os dias a cantar a Marselhesa e quando à noite a avó Urzelina acende o seu cachimbo de cannabis, o bicho fica passado e só grita com a sua voz esganiçada:
- 25 de Abril sempre! 25 de Abril sempre!
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