O futuro sempre foi motivo de preocupação lá em casa. De modo que depois de muitas voltas à cabeça chegámos à conclusão que alguém teria de olhar pela família. Mas foi quando o Arturzinho partiu o vidro da janela do vizinho a jogar à bola que tomámos uma resolução: o Arturzinho seria craque de futebol e o futuro da família estaria garantido.
É claro que o moço iria precisar de treino e orientação. Assim, o tio Augusto virou treinador, a avó Urzelina manager, a prima Leonor massagista, e eu pau para toda a obra. O Arturzinho levou o seu papel tão a sério que deixou crescer o cabelo e comprou uma fitinha para impedir que este lhe tapasse a visão durante os jogos. O tio Augusto, como treinador, ensinou o rapaz a cuspir para a relva tal como os craques de futebol, a chamar filho da puta ao árbito em directo para a TV, e a atirar-se para o chão a guinchar mal sentisse um sopro do adversário. Mas havia um problema: o Arturzinho não tinha equipa. O tio Augusto sugeriu que o rapaz se inscrevesse na equipa de futebol cá do bairro para começar, mas o resto da família criticou a falta de ambição do tio, o Arturzinho como craque que era devia começar pelo Benfica, Sporting ou Porto para chegar depois a um grande da Europa, como o Real Madrid ou o Manchester United. Fomos então falar com o tio Tomás, rei do Cimento Armado, que fizesse valer a sua influência no mundo do futebol, e a prima Leonor, já nessa altura assediada pelo tio, deu uma ajuda com as suas meiguices. Assim foi: o Arturzinho foi prestar provas no Benfica e mal lhe passaram a bola, o rapaz mostrou todo o seu valor ajeitando a fitinha do cabelo, cuspindo para a relva e atirando-se ao chão a guinchar agarrado ao tornozelo. Não sei bem o que se passou então, mas o tio ameaçou retirar todo o capital investido no clube se o Arturzinho não ficasse no Benfica (creio que nesta parte a prima Leonor também deu uma ajuda preciosa). As conversações foram longas e intermináveis, com muitos murros na mesa, muitas ameaças, muitos uisques e muitas gajas noite fora, mas por fim chegou-se a um acordo: o Arturzinho seria cedido a título de empréstimo ao clube cá do bairro para ganhar rodagem, e depois logo se veria. Mais: o moço teria de jogar sempre na equipa principal senão o tio Tomás deixaria de pagar o subsídio ao clube (mais uma vez a querida prima Leonor!).
Foi uma época de futebol alucinante: o clube do bairro desceu de divisão só com derrotas, os sócios apedrejaram o 1º treinador, o 2º fugiu e o 3º suicidou-se. A direcção demitiu-se em peso depois uma assembleia com tiroteio e tudo, e o clube ficou em autogestão. Mas o Arturzinho lá se safou: marcou cinco golos em toda a época, só que na própria baliza. Depois de tudo isto, o tio Tomás retirou o subsídio ao Benfica que desde então nunca mais ganhou um campeonato, o clube do bairro transformou-se em bordel do bairro, e o Arturzinho viu finalmente subir a sua cotação para 500 mil euros, vivo ou morto, prémio pago por subscrição dos ex-sócios do clube e de alguns sócios do Benfica.
Não sei onde pára agora o Arturzinho. Se o apanhasse o futuro da família estaria garantido, 500 mil euros não são de deitar fora. Mas quem se safou muito bem foi a prima Leonor com o tio Tomás, mas isso já é uma história antiga.
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