quinta-feira, março 31, 2005

O futuro sempre foi motivo de preocupação lá em casa. De modo que depois de muitas voltas à cabeça chegámos à conclusão que alguém teria de olhar pela família. Mas foi quando o Arturzinho partiu o vidro da janela do vizinho a jogar à bola que tomámos uma resolução: o Arturzinho seria craque de futebol e o futuro da família estaria garantido.
É claro que o moço iria precisar de treino e orientação. Assim, o tio Augusto virou treinador, a avó Urzelina manager, a prima Leonor massagista, e eu pau para toda a obra. O Arturzinho levou o seu papel tão a sério que deixou crescer o cabelo e comprou uma fitinha para impedir que este lhe tapasse a visão durante os jogos. O tio Augusto, como treinador, ensinou o rapaz a cuspir para a relva tal como os craques de futebol, a chamar filho da puta ao árbito em directo para a TV, e a atirar-se para o chão a guinchar mal sentisse um sopro do adversário. Mas havia um problema: o Arturzinho não tinha equipa. O tio Augusto sugeriu que o rapaz se inscrevesse na equipa de futebol cá do bairro para começar, mas o resto da família criticou a falta de ambição do tio, o Arturzinho como craque que era devia começar pelo Benfica, Sporting ou Porto para chegar depois a um grande da Europa, como o Real Madrid ou o Manchester United. Fomos então falar com o tio Tomás, rei do Cimento Armado, que fizesse valer a sua influência no mundo do futebol, e a prima Leonor, já nessa altura assediada pelo tio, deu uma ajuda com as suas meiguices. Assim foi: o Arturzinho foi prestar provas no Benfica e mal lhe passaram a bola, o rapaz mostrou todo o seu valor ajeitando a fitinha do cabelo, cuspindo para a relva e atirando-se ao chão a guinchar agarrado ao tornozelo. Não sei bem o que se passou então, mas o tio ameaçou retirar todo o capital investido no clube se o Arturzinho não ficasse no Benfica (creio que nesta parte a prima Leonor também deu uma ajuda preciosa). As conversações foram longas e intermináveis, com muitos murros na mesa, muitas ameaças, muitos uisques e muitas gajas noite fora, mas por fim chegou-se a um acordo: o Arturzinho seria cedido a título de empréstimo ao clube cá do bairro para ganhar rodagem, e depois logo se veria. Mais: o moço teria de jogar sempre na equipa principal senão o tio Tomás deixaria de pagar o subsídio ao clube (mais uma vez a querida prima Leonor!).
Foi uma época de futebol alucinante: o clube do bairro desceu de divisão só com derrotas, os sócios apedrejaram o 1º treinador, o 2º fugiu e o 3º suicidou-se. A direcção demitiu-se em peso depois uma assembleia com tiroteio e tudo, e o clube ficou em autogestão. Mas o Arturzinho lá se safou: marcou cinco golos em toda a época, só que na própria baliza. Depois de tudo isto, o tio Tomás retirou o subsídio ao Benfica que desde então nunca mais ganhou um campeonato, o clube do bairro transformou-se em bordel do bairro, e o Arturzinho viu finalmente subir a sua cotação para 500 mil euros, vivo ou morto, prémio pago por subscrição dos ex-sócios do clube e de alguns sócios do Benfica.
Não sei onde pára agora o Arturzinho. Se o apanhasse o futuro da família estaria garantido, 500 mil euros não são de deitar fora. Mas quem se safou muito bem foi a prima Leonor com o tio Tomás, mas isso já é uma história antiga.

quinta-feira, março 24, 2005

Continuando em poesia...sigam o link

domingo, março 20, 2005

Dia Mundial da Poesia

Para comemorar condignamente este dia:



Lição de História Pátria

Sabias - disse-me ela fazendo-me a punheta -
que muito valentão entala a costeleta
e que entre os nossos reis, valorosos guerreiros,
muitos houve que foram famosos paneleiros
que entre duras batalhas e esforçados trabalhos
recheavam o cu com túrgidos caralhos.
Sabias por acaso que o primeiro Pedro, o Cru,
mais que a foder gozou indo levar no cu?
E que o primeiro Afonso que à mãe não perdoava
se deixava montar por Fernão Peres de Trava?
E quantos, ah! ó quantos grandes deste país
fizeram do cu vaso para meter a raiz?
Cuidado! gritei eu afagando-lhe o lombo -
faz isso com mais calma que os colhões não são bombo.
Desculpa - disse-me ela. - Depois continuou
revelando-me a rir que o seu próprio avô
que morrera com fama de grande putanheiro
passara toda a vida a levar no traseiro.
E a Igreja? - gritou - Do padre ao cardeal
toda ela se entregou à banana fatal
e a esse mesmo fruto que faz de um cu vulcão
se entrega toda a cáfila que governa a nação :
ministros, secretários e directores-gerais
todos abrigam pichas nos albergues anais...
E safou-se Salazar de ser também rabicho
porque nesse momento gritei e vim-me em esguicho.

Fernando Correia Pina

quinta-feira, março 17, 2005

Todas as noites, depois do jantar, a avó Urzelina ia caçar baratas. Sentava-se na cadeira de balanço com a caçadeira ao colo, e fumava longas cachimbadas de cannabis durante a espera. É claro que as baratas mais experientes nunca apareciam nestas alturas e a avó acabava por adormecer no seu posto de vigília.
Um dia, quis o destino que o Rodas Baixas nos visitasse depois do jantar. Confundindo-o com uma barata, a avó despejou o carregador em cheio no desgraçado que além de ficar crivado de chumbinhos dos pés à cabeça, ainda encolheu seis centímetros. O Rodas Baixas era um sujeitinho picuínhas, pequenino, oportunista e lambe-botas de profissão, que estava sempre onde não parecia estar e desaparecia sempre que alguém dava por ele. Não admira, por isso, que a avó Urzelina o confundisse com uma barata.
Ferido no seu orgulho, o Rodas Baixas resolveu pedir uma indemnização porque naquele estado não poderia concorrer à liderança do partido. O tio Augusto respondeu que o partido já tivera chefes bem piores, tais como o Algarvio Cuspidor, o Fugitivo Durex ou o Mete-e-Tira da Lapa e sempre sobrevivera. Mas o Rodas não estava pelos ajustes. Meteu-nos a todos a tribunal (incluindo o papagaio Meireles).
- Não se preocupem, disse o tio Augusto. - O filósofo vai resolver isto num instante.
O certo é que o filósofo assim que soube do sucedido ameaçou aumentar os impostos e promover a venda livre de papel higiénico em todas as retretes públicas.
Por estranho que pareça, o Rodas Baixas concordou, retirou a queixa, e ainda nos indemnizou pelos danos sofridos. Cheios de guito, fomos logo todos em peso depositar o maná no Banco Espírito Santo Amén, muito na berra por ser um antro de depósitos monetários de pessoas muito importantes como El General Pinochet, herói da luta contra a alergia vermelha e extreminador de gentios. Qual não foi o meu espanto quando encontrei na fila de espera o Diogo, o Adriano, o Paulinho e a Zézita, todos com a massa na mão!
Este Banco é o máximo! Se El General pôs aqui o seu dinheiro nós também vamos pôr.
Mas o Diogo estava a surpreender-me. Teria voltado ao passado? Onde estavam as suas opiniões sobre política externa do Texas, que lhe valera uma promoção a ministro? Perguntei-lhe se o que se estava a passar não seria fruto da minha imaginação.
O Diogo chamou-me à parte e sussurou-me ao ouvido: - Não te metas em política, meu filho. Deixa isso para os políticos e para o filósofo, e toma cuidado para não teres o Rodas Baixas outra vez a morder-te os calos!
Depois de depositarmos o dinheiro, que nos daria para mais 3 semanas de sopa de cebola, recolhemos à nossa humilde casa de tijolo. Como sempre o tio Augusto refugiou-se no sótão, do qual só sairia na véspera do Natal, a avó Urzelina regressou à sua labuta diária de caçadora de baratas, e o Rodas Baixas afinal sempre se candidatou à chefia do partido. Como se tudo isto não bastasse, o Mete-e-Tira da Lapa ocupou o seu antigo lugar de presidente do Clube Malcheiroso da Latrina, cargo que tinha abandonado há uns meses para chefiar mais uma nobre equipa de saqueadores e violadores, entretanto demitida por falta de excessos.
No meio de tudo isto e das maminhas da prima Leonor, cá vou tentando perceber o que está a acontecer, se sou eu que sou estúpido e não percebo patavina, ou se essa coisa da política é mesmo só para os políticos, essas pessoas iluminadas que saiem sempre bem das confusões onde se metem.
Só não entendo o que se passa com o papagaio Meireles desde que fizemos o depósito na Banco Espírito Santo Amén. Passa os dias a cantar a Marselhesa e quando à noite a avó Urzelina acende o seu cachimbo de cannabis, o bicho fica passado e só grita com a sua voz esganiçada:
- 25 de Abril sempre! 25 de Abril sempre!

quarta-feira, março 16, 2005

OLHÓ PASSARINHO !

Acabadinho de tomar posse, o governo da nação, ainda com os fatos e gravatas a cheirarem a naftalina, e já um dos seus investidores principais, ou melhor, o respeitável figurante dos tipos da massa, vem de recados cheio apregoar, sem que os democratas zés o tivessem investido para tal, que a economia precisa de sacar mais patacas eurísticas aos ditos zés, principalmente porque são a maioria, os zés ninguém.
Em tempos de que ainda me recordo, tal figurança era respeitado pelas posições que se alinhavam com a demonstração da podridão do regime do estado novo, sendo motivo para esgotar num ápice as edições das poucas revistas que, a custo, teimavam em denunciar veladamente o que todos sabiamos, dando então o alimento indescutível para, dum ponto de vista económico, mais afundar o tal regime.
Chama-se, e os bois também têm nome, sem ofensa para os ditos animais, de Vitor Constâncio.
E é ele que, qual profeta da verdade do momento, qual máquina de estrumar o campo da chafurdice, vem já e agora, com pompa e circunstância em jornais e nas tv´s, apregoar que as estradas deste país têm de se alimentar dos tais zés ninguém com mais impostos sobre tudo o que tem umas rodas para andar, a não ser que o pessoal queira pagar mais portagens.
Então, óh profeta do presente, óh magnânime inteligência, óh eminente fecundador, será que o menino não sabe que as instituições bancárias e seus derivados, são os maiores enche papos desta frágil economia? E é ele o presidente do banco de Portugal.
Então óh estrela cadente do conhecimento, óh sápia mente do obscuro, óh reluzente candeia, será que o menino não sabe que a fuga ao fisco e as mafias que de tal se servem estão aí, impunes, de lei feita e assinada, enchendo a cada minuto da vida deste país mais chorudas contas nas tais instituições bancárias cá dentro e lá fora? E é ele o presidente do banco de Portugal.
Então óh sábio da virtude, óh robin dos bosques da família socialista, óh encartado do dever com assinatura reconhecida, será que o menino não sabe que a nossa economia caseira passa pelos mesmos que, ad seculorum, perpetuam a queda permanente em velocidade constante duma economia nefasta e de merceeiro de tabanca? E é ele o presidente do banco de Portugal.
Então óh eloquente orador da verdade, óh mestre dos mestres, óh sapiência suprema, o menino não sabe que este grupelho de zés ninguém acabam por ser pouco mais do que dois milhões e meio de almas penadas que, por infortúnio ou pouca sorte ou estúpida necessidade, são de todos os poderes conhecidos e refúgio das chicotadas económicas com que se deliciam os tais outros meninos, nesta amálgama sado-masoquista de que quanto mais me bates mais desejo te morder mas não consigo? E é ele o presidente do banco de Portugal.
E ainda bem, digo eu, que a história de merda desta coisa à beira da falência por mais de oito séculos se mantém perpetuada e com os dignatários dessa memória sempre "bué de fixes"!
Quem o viu e ouviu, quem o ouve e o vê agora!
A mim tal não me espanta. Antes ficaria espantado se de outra forma se comportasse, o tal menino. E os tais meninos deste governo acabadinho de se instalar. Deste de agora, dos outros que lhe antecederam, e pior que tudo, daí a minha permanente indignação, de todos os que, para mal das minha poucas virtudes, ainda vou ser obrigado a aturar enquanto por aqui andar vagueando.
Por isso digo, em absoluto português que na primária me obrigaram a conhecer: PUTA QUE OS PARÍU ! A todos. Ponto no passarinho!

segunda-feira, março 07, 2005

O tio Tomás era visita lá de casa pelo menos uma vez por semana. Fascinavam-me os seus dedos gordos cheios de anéis de ouro, o seu brilhante alfinete de gravata, os seus fatos cinzentos, a sua careca luzidia, o segundo queixo proeminente, o seu bigodinho estilo escova de dentes por estrear, o seu cheiro a água de colónia, o seu hálito a whisky velho e os seus charutos mal-cheirosos grossos como pepinos. O tio Tomás tivera êxito na vida, chamavam-lhe o Rei do Cimento Armado, ao contrário dos seus familiares próximos, todos nós, a vivermos na humilde casa de tijolo onde só se tomava banho quando chovia lá dentro.
Sempre pensei que a única razão da visita do tio Tomás tinha qualquer coisa a ver com a prima Leonor. A prima Leonor era visita constante nos meus sonhos húmidos de adolescente, onde eu fazia longas corridas de motocross subindo e descendo pelas curvas do seu corpo e despistando-me nos seus refegos. Era a minha musa secreta, o caudal do meu rio de lava incandescente.
O tio Tomás tomava-a nos braços gordos, sentava-a no colo elefantino, e prometia-lhe colares de pérolas do Japão e diamantes africanos, carros de luxo descapotáveis, casas palacianas com grades de pontas douradas e estátuas de duendes no jardim, casacos de pele de animais extintos, manjares exóticos em cruzeiros tropicais. A prima Leonor ouvia tudo com muita atenção, e o tio Tomás aproveitava para lhe meter a manápula por debaixo da saia, ou espreitar pelo decote atrevido. A este assédio descarado ela respondia sempre que ia pensar, lançava ao tio Tomás um sorriso provocador e afastava-se bamboleando as coxas e o traseiro deixando-nos a suar frio e com a baba a escorrer ao canto boca. Nessas alturas o tio choramingava a sua infelicidade e solidão, que felizes éramos nós que viviamos numa espécie de condomínio fechado sem preocupações, e com a prima Leonor por perto, e ele um escravo do trabalho, detentor da mui nobre função de transformar o país num moderno e magnífico bloco de betão armado. Depois ia embora, adeus até para a semana, largava algumas notas em cima da mesa da cozinha e dizia à tia Umbelina, olha compra lá uns soquetes à miúda, coitada, e afastava-se ao volante do seu Mercedes preto de luxo, enquanto nós ficávamos à porta a vê-lo ir embora, sem um aceno de adeus ou esgar de saudade. Mal o Mercedes desaparecia no horizonte corríamos todos para a cozinha onde o tio Augusto já estava a contar as notas, a ordená-las por ordem crescente dos números de série, e a colocá-las no seu album de coleccionador, ocupando os espaços vazios referentes aos números de série em falta. Depois mostrava-nos toda a colecção, milhares de notas 10, 20, 50 e 100, um deleite para os olhos. O tio Augusto, o tal que pensava até a cabeça quase rebentar, dava assim o seu devido valor ao dinheiro, embora a tia Umbelina lhe surripiasse algumas notas da colecção em tempos de maior crise e carência. O que sei é que ao longo dos anos a colecção de notas aumentou considerávelmente à custa do tio Tomás e das curvas da prima Leonor, até esta finalmente aceder casar com o tio, já doente terminal com apenas algumas semana de vida. Herdeira de uma considerável fortuna, a prima Leonor ocupa agora o seu tempo livre em entrevistas sobre a sua última lipo-aspiração, deixando-se fotografar com rapazinhos imberbes e semi-nus para as revistas do jet-set. A menina curvilínea e inocentemente provocante da minha juventude transformara-se numa matrona ninfomaníaca de pele esticada conhecida pela Raínha do Cimento Armado.
O tio Augusto desapareceu um dia mais a sua colecção quando o SIS começou a investigar a falta de notas em circulação, e hoje, ao fim de tantos anos, interrogo-me se afinal o tio não seria o principal responsável pelo défice das contas públicas. É que sendo eu um familiar próximo, vejo o meu salário diminuir mensalmente à custa da sobrecarga fiscal, enquanto o país caminha para o progresso transformando-se dia após dia num bloco de cimento armado.

quinta-feira, março 03, 2005

Lembro-me como se fosse hoje, a casa de tijolo, o quarto com a cama grande onde dormíamos todos os sete, a cozinha com o soalho esburacado dos tiros de caçadeira que a avó Urzelina usava para caçar baratas, a sanita no meio da sala de jantar com o cestinho das revistas Caras e Ola, o peciché com a dentadura da prima Lurdes no copo de água, a imagem da senhora de Fátima com meio metro de altura e vesga de um olho desde que o Arturzinho o vazara num dos seus treinos de tiro ao alvo, a cave onde apanhávamos o metro para Tegucigalpa, o sótão...
No sótão vivia o tio Augusto, no meio de novelos de cotão e teias de aranha, posters de vaginas de todos os tamanhos colados nas paredes, fotografias da esposa, a nossa tia Ossétia, falecida quando o meteoro a apanhou em cheio no mesmo dia em que tinha ganho a lotaria. O tio Augusto tinha alguma engrenagem mal oleada no cérebro pois quando se punha a pensar, e era talvez o único membro da família que pensava, a cabeça inchava-lhe como um balão até quase rebentar, e depois pegava-me pelos colarinhos e despejava toda a confusão em forma de palavras até a cabeça ficar do tamanho normal. E falava sem parar com a boca encostada ao meu ouvido esquerdo, e dizia
"Estão todos enganados. Todos! Estão à espera de quê? D. Sebastião já se perdeu entre traições a Viriatos e manhãs de nevoeiro, não há nada a fazer. Afonso Henriques meteu a mãe na cadeia por causa da posse de um latifúndio, Cabral enganou-se e chegou ao Brasil arrastando consigo gerações de escravos africanos. Maltrapilhos e criminosos condenados arrastaram-se pelas costas de África e Ásia deixando as suas marcas de sangue por entre as pedras, D. Dinis plantou um pinhal sem contar com os incêndios séculos mais tarde, D. Pedro elouqueceu de amores por uma Inês castelhana, tragédia que atravessa a história tornando a história uma tragédia.
Para este povo tomar o destino nas suas mãos tem de cair na merda mais mal cheirosa, não lhe chegam as bordas da latrina. Foi assim em 1383, foi assim em 1640, 1910, 1974. Os nossos avós andaram a preparar a cama onde agora nos deitamos com os castelhanos, com os ingleses, com os franceses, com os alemães, com os americanos, com eles sempre por perto, a controlar as migalhas que excepcionalmente nos deixam esgravatar do chão, e foi assim quando as riquezas vindas do Oriente engordavam comerciantes que nem à Trafaria iam de barco, que as inquisições nos impediam de pensar noutras coisas senão o medo, o medo sempre presente, o medo do louco João VI e da sua horrível mulher que só de olhar para ela Napoleão teria desistido na 1ª invasão, e nem os ingleses nos impediram de cerrar fileiras na campanha da Rússia ao lado do Grande Chefe, imaginem só, invadidos e soldados no exército invasor, invasor que por cá deixou idéias estranhas de igualdade, liberdade e fraternidade. E em 1755 quando a terra se chateou deste país e o Marquês eliminou sádicamente as forças de bloqueio dos Távoras e expulsou a padralhada para o Brasil. E uma vez mais esta sina de tudo perder quando se tem tudo à mão, esta sina de alimentar pastorinhos, salazares e seus sucedâneos pós-74, esta sina de vazio monarco-republicano que nos come a alma, que nos torna mesquinhos e com aspirações a pato-bravo cheio de notas para encher sacos azuis, que nos torna tão vazios que qualquer Inês de Castro ou Frei Luís de Sousa inspira um triste fado de exportação, único produto genuíno que espanhóis, ingleses, franceses, alemães e americanos não podem absorver. É este o nosso engano, o nosso inferno..."
E o meu tio calava-se de repente, ofegante, com a cabeça vazia e já estável, e recolhia à escuridão do seu sótão, no meio do cotão, teias de aranha, vaginas e fotos da tia Ossétia.
E hoje compreendo como o inferno de que falava o tio Augusto se confundia com a sua própria lucidez.

quarta-feira, março 02, 2005

E será possivel deGLATir ESHTE ensino?

Sob este título vou evacuar algumas considerações sobre o ensino em geral e o desta escola em particular.

Creio que a maior parte dos alunos escolhe um curso por 3 razões:
1 - Parece-lhe que vai gostar daquilo;
2 - Parece-lhe que aquilo está na moda e vai dar bué de $$$;
3 - É onde estão a maior parte dos amigos.

Depois começa o curso!!.
Como é o "ensino superior" tem talvez esperança que os professores sejam melhores, que a arbitrariedade de critérios de classificação seja menor, que a qualidade do que é ensinado esteja adaptada à realidade das condições de trabalho que irá encontrar no mercado e outros sonhos. Só que, em muitos casos vai encontrar um PESADELO.

Que tal um director de curso que não fala com os alunos (ou pelo menos com algumas turmas/anos), que nem sequer fala aos alunos quando se cruza com eles;
- é óbvio que isto é útil no futuro - para que os alunos aprendam que os seus futuros chefes se estão cagando para eles ou então só se interessam por um subconjunto dos seus empregados - os lambe botas.

Que tal um director de curso que convida os amigos, familiares, colegas partidários, etc. para dar aulas quando eles não têm competência ou conhecimentos para, sequer, dar aulas ao 1º ciclo;
- é óbvio que isto é útil no futuro - para que os alunos aprendam que a ascenção na carreira nada tem a ver com a competência, a qualidade de trabalho, mas depende essencialmente daquilo que é real: a besta do sobrinho do patrão é melhor; o incompetente do colega do partido é melhor, etc.

Que tal professores que ficam muito ofendidos quando se lhes pergunta quais os critérios de avaliação e, em vez de considerar os trabalhos efectuados, a assiduidade e a participação, justificam-se com um "porque tem um ar porreiro", "porque não despe o casaco", etc.
- é óbvio que isto é útil no futuro - para que os alunos aprendam que a sua avaliação pelos chefes no trabalho não depende de pontualidade, trabalho realizado, etc.

Que tal professores que pedem trabalhos com o objectivo de os utilizarem na sua empresa e em seu nome;
- é óbvio que isto é útil no futuro - para que os alunos aprendam que o trabalho que eles fizerem no emprego será "apropriado" pelo seu chefe (ou pelo colega que é amigo do chefe) e apresentado ao director sem referir quem o realmente fez.

Portanto não admira que a sociedade esteja mal - se as raizes e os conhecimentos que são dados aos alunos são desta qualidade, então ela só poderá piorar.

O caminho possível: fazerem aquilo que deverá ser apanágio da juventude - pôr em causa; criticar; impôr qualidade.
O futuro é da juventude actual e se não tiverem a preparação e as ferramentas para o tornarem melhor então cada vez mais seremos o caixote de lixo da CE.

Então até à próxima aula.