sexta-feira, setembro 02, 2005

O gajo chamou-me, pôrra!, e logo agora, já noite cerrada, cansado da viagem ao Monte Ararat, faminto que nem um cão. Mas a curiosidade ganhou terreno ao ver que o Presidente estava acompanhado do Lambe-botas lá do sítio, sujeito viscoso, sempre de sorriso de orelha a orelha, e sempre pronto a dar grandes abraços de amizade mesmo a quem acabou de conhecer há 5 minutos. Tal duo, o Presidente mais o fiel Lambe-botas, e ainda o Motorista do Presidente que fumava um cigarrito encostado ao Mercedes com o motor ao ralenti, espicaçou-me a curiosidade. Para além dos cumprimentos da praxe e do abraço gorduroso do Lambe-botas, tais personagens em pose conspirativa numa rua secundária da aldeia tiveram o condão de me esticar as antenas e tentar descobrir o que estariam ali a fazer. Segundo a conversa, o jantar deveria ter sido bem regado, pois a verborreia começou a tomar caminhos ínvios pela boca do próprio Presidente, já que da boca de um lambe-botas esperam-se todo o tipo de dejectos. Dizia o homem que se o deixassem acabava já com os incêndios, que fazia não sei o quê, mais não sei o quantos, e quando lhe lembrei que ali mesmo no seu concelho, lavrava um incêndio bem jeitoso o homem só respondeu que o governo o tinha deixado de mãos atadas, que não podia fazer nada e etc.. O Lambe-botas escutava embevecido com a argumentação e ripostou dizendo que o Sr. Presidenete era o maior, que já tinha feito muito pelo concelho, e que devia ir para ministro, embora por lá tenha passado de fugida há uns anos atrás. O Presidente, homem pragmático, respondeu que não, ali é que estava bem, já tinha trabalho feito, umas rotundas com relva e estatuetas avant-garde, uma passagem de nível eliminada, um pavilhão multi-usos sem qualquer uso, umas florzinhas plantadas à entrada de algumas aldeias circundantes, e o Lambe-botas a dizer que sim, senhor, nunca se vira nada assim no concelho, e eu com o vómito a subir-me pelo esófago acima, e suores frios a escorrerem-me pelas costas abaixo, enquanto pensava no pessoal da terra sem saneamento básico, sem apoio à 3ª idade, sem saúde que se visse. Mas estas coisas não são para serem feitas, se fossem feitas deixavam de ser promessas para políticos e aí deixava de haver caça ao voto. Quem já ganhou eleições a prometer rotundas à entrada e saída das povoções e uns malmequeres ranhosos plantados no caminho? E a conversa continua, descamba para as presidenciais, e aí o Lambe-botas transforma-se em Lambe-cús e canta loas ao Cavaco, e pede opinião ao Presidente sobre a candidatura da múmia de Boliqueime, e o Presidente desanca no Bochechas, e diz que tudo não passa de uma conspiração desde que o Sampaio correu com o Pedro, sim o meu amigo do peito Pedro, correligionário de muitas noitadas, um incompreendido. E já nesta altura o Lambe-botas, perdão!, o Lambe-cús está pronto a fazer sexo oral com o Presidente se este lho pedir, e o motorista já acende os cigarros uns nos outros, e o Mercedes continua a gastar o gasóleo da comunidade, e eu já me coço e arranho e já duvido se sairei ileso desta conversa para a qual fui chamado sem ser ouvido. Mas o que pensam estes gajos de um idiota, que nem é idiota da terra nem nada, para o pescarem no meio da rua de uma qualquer comarca de Santa Pachacha de Assobio, e o obrigarem a ouvir esta poluição de palavreado ignóbil, vil, e pior do que tudo, profundamente mal cheiroso?
E estava eu a pensar se havia de suicidar-me ali mesmo quando a minha prima Ossétia (a querida prima Ossétia!))assomou à varanda a chamar-me para a ceia de toucinho com pão escuro e vinho caseiro e lá vou com mil desculpas com receio que a descrição do repasto não aguça-se apetites de Lambe-cús e Presidentes.
Já em casa, com uma mão no toucinho e outra na perna da prima Ossétia, ouvi o resfolegar do Mercedes a sobrepôr-se ao barulho típico do rebanho do tio Camilo que marchava rumo ao pasto.

Nota: Os factos relatados neste texto são rigorosamente verdadeiros com excepção do Lambe-cús e do sr. Presidente, pois toda a gente sabe que tais personagens só existem nos contos de fadas.

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