segunda-feira, dezembro 10, 2007
A Cimeira
É assim:
Primeiro o pessoal faz-se ao mar à procura do sustento que não tem em terra, leva chicotada, morre de escorbuto, afoga-se, apanha com o Adamastor que não tem culpa nenhuma, nem ele nem o Camões, é promovido a herói à conta das companhias das Índias e da sacrossanta igreja católica que, à força, engorda o seu séquito de convertidos e cristãos novos, deixa por lá alguns escravos brancos à conta de uns tantos senhores, trás para cá alguns escravos pretos à conta dos mesmos senhores, cria um suposto império de Lisboa às Molucas, atafulha naus remendadas com especiarias que vende a preço de ouro nas praças europeias, os senhores ricos ficam mais ricos, os pobres ficam, como é normal, mais pobres. Depois vêm espanhóis sequiosos de ouro, ingleses, holandeses e franceses especialistas em pirataria, e temos o baile armado. Passam séculos e a rapina continua,, uns com sucesso outros a fingir à conta de alguns massacres e uns tantos extermínios. Depois a rapaziada de lá farta-se da festa, encontra alguns aliados pouco recomendáveis, e com muito sangue e muita luta obrigam o europeu a refugiar-se na latrina de onde nunca devia ter saído. E os novos senhores substituem os antigos, mas desta vez bem encapotados por sobas autóctones. O festim continua e o baile continua armado. Com mais ou menos massacre, mais ou menos extermínio, o preto faz-se ao mar à procura do eldorado que pensa existir lá mais para o norte na terra da gente branca. E agora são eles que se afogam e morrem de fome e frio, sem qualquer valor épico ou um Camões que lhes cante os feitos.
Depois os tais ditos senhores (os de sempre, per seculum seculorum) incham de boas intenções, escondem a hipocrisia no teatro dos salamaleques, e recebem os sobas supostamente de peito aberto e com a factura das metralhadoras no bolso das calças.
As austeras esposas dos sobas aproveitam a deixa e engordam o enxoval com a lingerie das casas da moda, enquanto os maridos aproveitam as migalhas do festim enquanto ele durar.
Depois volta tudo ao mesmo, apesar dos pregões de sucesso, das mentiras disfarçadas de falsas esperanças, dos brindes de veneno e da fotografia de grupo, como um casamento que se sabe à partida mal sucedido.
Havemos de nos encontrar um dia, quando o homem regredir finalmente para primata
e não houver nem mais uma migalha para disputar ou roubar.
Nessa altura ficará tudo mais evidente.
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