Pronto! Agora que tudo estava calmo e quase normal cá por casa tinha de vir o Natal estragar tudo!
A avó Urzelina juntou o pessoal da casa e tratou logo de organizar as coisas:
1º peregrinação ao centro comercial Colombo para ver as montras
2º construir o presépio
3º tratar da ceia de Natal
Não calculam a confusão que isto está a dar! O Arturzinho não quer ir ao Colombo porque quer ver os debates dos candidatos, o tio Augusto desta vez anda com a mania que é o menino Jesus e não pode abandonar as palhinhas, a prima Ossétia não se importava de ir, mas só vai se a avó a deixar mostrar o umbigo, coisa que está na moda lá no Colombo, eu só vou se a prima for porque como sabem a companhia dela dá-me outro ânimo, o restante pessoal cá de casa só vai se tiver carcanhol para as prendas, etc., etc..
A avó Urzelina é que tem mantido a casa em ordem graças à sua pensão de sobrevivência, pois o tio Augusto deixou de receber o subsídio por invalidez desde que ficou com a mania que era o Cavaco, e houve um gajo lá das finanças que não gostou do assunto e mexeu uns cordelinhos para lhe tirar a esmola. Apesar de ter tido outras manias depois daquela o tio Augusto nunca mais recuperou a pensão, mesmo quando fomos todos fazer greve da fome durante 30 minutos à porta da Caixa Geral de Depósitos. Como não gostamos de sobrecarregar a pobre avózinha, convenci a prima Ossétia a fazer uns biscates cá pelo bairro, tipo acompanhante ou coisa assim e a coisa não tem corrido mal. Estou até a pensar em tornar-me empresário do ramo com a prima como empregada nº1.
Quanto ao presépio, a coisa também não está fácil. O Arturzinho destruiu as figuras do presépio a treinar tiro ao alvo antes de ser mobilizado para o Iraque, pelo que decidimos construir um presépio vivo. Até aqui tudo bem, pois o tio Augusto ainda não perdeu a mania de ser o menino Jesus, e até fica muito bem na manjedoura que mais não é que o berço que tem servido de abrigo aos recém-nascidos cá de casa há pelo menos quatro gerações. Para ser o rei mago Belchior convidámos o Tinoco, cabo-verdiano na clandestinidade e pessoa importante cá no bairro, pois é chefe de gang e cantor de hip-hop nas horas vagas, mas a avó Urzelina recusou porque, diz ela, não gosta pretos, e lá tivemos de cobrir o Arturzinho com graxa de sapatos, castigo por ter destruído o presépio. Mas a coisa complicou-se quando a prima Ossétia quis fazer de Nossa Senhora com o umbigo à mostra. A avó ficou com convulsões e tivemos de chamar o senhor padre da freguesia que é exorcista para a tentar controlar, mas quando descobriu que a causa dos achaques da avó era o umbigo da prima Ossétia quis vê-lo in loco e logo ali ficou louco, pois arrancou o colarinho branco, rasgou a sotaina e espumou pela boca. Para o acalmar a avó deu-lhe um lugar no presépio, e desde ovelhinha a musgo o senhor padre tem sido incansável a incarnar todos os papéis, e quanto mais próximos do umbigo da prima Ossétia, melhor. Resumindo a coisa não está fácil.
Quanto à ceia de natal eu e o Arturzinho gamámos uma lata de feijões da mercearia do senhor Aparício que é herói nacional porque combateu em África, mas a avó quando viu a parca ementa ainda ensaiou mais uma dose de convulsões mas controlou-se a tempo porque o carteiro veio trazer uma encomenda urgente do tio Américo que está na América, e ao abri-la deparámos com o paraíso: 2 paletes de coca-colas, uma normal e outra light que não faz mal à saúde, duas dúzias de hamburgers em conserva com o selo da Bush, Farm & Beast, um autocolante da CIA, uma t-shirt do FBI, um autógrafo do Schwarzenegger, uma cadeira eléctrica de brinquedo, e uma coisa informe e estranha que o Arturzinho que esteve no Iraque reconheceu como um prisioneiro seviciado que talvez tenha vindo na encomenda por engano. Enquanto não falamos com a emigração o pobre homem já tem lugar no presépio como S. José, e até parece que esqueceu o que sofreu quando se cruza com o umbigo da prima Ossétia.
É por esta e por outras que acho que esta minha prima deveria ser beatificada. Como seu confidente nas noites geladas de inverno, só eu sei o significado da palavra santa. Santa Ossétia, até porque soa muito bem.
Sublime, este presépio!
ResponderEliminarEmbebido do espírito natalício, achei por bem dar o meu contributo para que não falte nada a este presépio, pelo que aguardo a resposta ao mail que enderecei ao Durão Barrosa a convidá-lo para fazer de vaquinha.
Luis Pattovsky