sábado, agosto 09, 2003

Finalmente!

Eles aí estão!
Todos a irem de férias em agosto!
Como bons portugas, com o elevado espírito lusitano de matilha, carregados de genes do Viriato, com o peso histórico de se deslocarem todos ao mesmo tempo e para os mesmos sítios, qual pavlov nas entranhas do cérebro nacional, eles aí estão, todos, a regressarem do único período anual em que lhes é permitido abandonarem as chatices das filas de carros, das enchentes dos supermercados, das esperas nos atendimentos públicos, das horas com hora marcada, e sonharem, por brevíssimos momentos, que férias são férias, repousantes, livres, desocupadas, e acima de tudo férias!
E vêm todos ao mesmo tempo, tal como foram também todos ao mesmo tempo, em agosto!
Sim, porque férias só são férias se forem em agosto. Até porque no ano apenas há o agosto para ir de férias.
Não é que, de vez em quando e muito raramente, ainda pensem que nos outros meses até poderiam ser meses de férias porque afinal de contas também os outros meses têm dias e noites, e as estradas, restaurantes, praias, casas e parques de campismo também não desaparecem nos outros meses todos, mas....."Éh pá, atão e os putos, pá? Os gajos só têm férias em agosto pá!", "e a mulher, pá? A gaja só pode ir em agosto, pá, e cá o je só vai de férias com a patroa, má nada pá!", "Atão e a sogra mais a irmã, pá? Achas cas velhas podem deixar os rabanetes, as couves, as batatas, a limpeza da casa noutra altura senão em agosto? Táste a passar ou quê?"....
Assim, por todos os motivos e mais algum, agosto é por excelência o mês de férias, aqui e no mundo. Sim, porque até os chinocas e os esquimós só tiram férias em agosto.
É por tudo isto que os portugas passam o resto do ano a pensarem arduamente que, no próximo agosto, irão para o mesmo sítio do ano passado, até porque é de uma estupidez atroz ir para outro sítio: "Para quê sair de cá se portugal tem tantas coisas para ver, pá? Atão faz algum jeito ir à estranja se temos aqui ao pé da porta tanta coisa para ver? Primeira, conhecer a nossa terrinha, toda, por inteiro, antes de ir conhecer outros países, outras gentes. E a língua, pá? Tásme a ver a pedir um cozido à portuguesa em marrocos ou uma chispalhada na suíça não tás?", "E as sardinhas pá? Onde é que a gente pode fazer uma bela sardinhada, hem? Já me tou a ver nos xampes elisês com o assador e uma caixa de sardinhame! Tu não deves ser deste mundo, pá!".
Mas a grande e verdadeira razão que leva os nativos desta raça a só poderem ir para fora das suas residências habituais em agosto é: a bola!!
Pois, a bola! É que em agosto não há futebol, não há 1º liga nem 2ª nem 3ª. É um desastre! Então tem-se de ir de férias em agosto e para um sítio onde estejam os verdadeiros portugas, os que sabem de futebol, porque aí pode-se discutir a bola com quem sabe. E se há coisa de que o portuga mais se orgulha é de ser o maior, o melhor e o único ser ao cimo da terra que tem opinião especializada sobre quase tudo, muito especialmente conhecedor nesta matéria da bola! Imagine-se a frustração de ir de férias para um sítio onde ou não havia quase ninguém ou os que lá estavam não percebiam patavina do "metier". "Porra pá! Passo a merda do ano a ter que sorrir para o chefe, a aturar as baboseiras do serviço, a gramar com a puta da mulher mais a filha que só quer muxitos e pompons, mais o sacana do puto que me saca a massa para a motorizada e os capacetes, e agora nem tenho ninguém para enxovalhar e mandar à merda por não perceber nada da bola? E a minha dignidade como ser humano, pá? Para ficar de ego cheio, devia mas era emborcar uns copázios e irritar-me com os badamecos que não sabem nada de futebol. E até com sorte, talvez ainda desse umas bofetadas nuns quantos..".
Mas agosto é agosto, e nada melhor do que ir para a praia cheiinha de pessoal para ter a desculpa de abancar num metro quadrado ao lado duma gaja com umas mamas do tamanho da torre dos clérigos..."Ena pá! Nem te conto. Ouve, tava lá uma garina..!!! Eu ia para a praia lá pelas nove e meia, enquanto a patroa ficava a arrumar a casa e a ir às compras, por isso só lá chegava pelo meio dia. A gaja chegava pelas dez mais ou menos. Tirava o tópe e ficava em bequine, ouve, só visto meu! Aquilo era só xixa! Logo no segundo dia ainda lhe perguntei se lhe podia oferecer um rájá, mas entretanto chegou o mangas, que cá pra mim era rabisca. Pró ano vais ver. Se a apanhar, não escapa. Aquilo era tão bom que logo nessa noite dei uma berlocada na minha qéla até ficou com o cu inchado, e não foi mais porque a puta da minha filha chegou a casa com uma cadela de xótes que acordou o pessoal todo com a mania de que o leite estava dentro do televisor! Pró levo outra vez a tv, até porque sem o sportv aquilo não vale nada."
Em agosto vai-se de férias e combina-se com a malta umas patuscadas valentes. E sempre é óptimo para as mulheres, porque podem dar à língua à vontade. Até o período e as dores de cabeça parece que metem férias. E o colestrol? Não há nada melhor do que umas jogatanas de bola na praia e uns peixinhos na brasa. E o fumo do carvão mais a gordura a queimar até dá vida aos mortos. E o ar puro? Sim, porque temos de mudar de ares de vez em quando, já diziam os antigos. E afinal é em agosto que o tempo está quente e se pode andar de manhã à noite com o fato de treino comprado na sportzone, e de vez em quando até pôr uns shorts e aquela camiseta do lagarto, para não falar dos montes de bonés, chapéus e panamás que têm de apanhar ar para tirar o cheiro a mofo.
Depois, quando acabam as férias, o portuga não regressa ao lar doce lar sem antes combinar a viagem com os amigos que estiveram por lá. Ainda bem que há os telemóveis para evitar as esperas de uns pelos outros nas bombas da gasolina.
Este ano, ainda mais do que nos outros, ir de férias em agosto é um autêntico "must"!
A paisagem, que até agora tinha a monotonia das matas e florestas com os tons de verde a pintar o horizonte nos campos ou montanhas, está a modificar-se rápidamente graças à sábia e inteligente acção dos governantes e responsáveis nacionais, permitindo num ápice o contacto com novos tons que vão do cinzento ao preto e um odôr natural que leva o imaginário ao sonho com as tão apetecidas churascadas ao ar livre.
Finalmente o país está a mudar! Claro que cada vez mais cinzento e deserto, mas que é uma mudança, lá isso é.
Cá por mim, ala que se faz tarde!
Vou arrancar para férias antes que o agosto acabe ou ainda venha chuva e acabe com o que demorou tanto tempo a preparar pelas mentes mais sábias e esforçadas deste cantinho à beira-mar: em toda a sua plenitude, a política da terra queimada, toda, finalmente!
Até ao meu regresso, se ainda houver alguma coisa não ardida que me leve a regressar.

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