“Sabemos que o estrangeiro nos inveja – isto, quando chega a compreender-nos, porque num primeiro contacto, acha estranho que meio quilo não sejam 500 gramas, principalmente se bem aviado, ou que meia dúzia de sardinhas sejam sete, se forem pequenas, ou que andemos na estrada a fazer sinais de luzes uns aos outros, quando passamos por um guarda – mas ao estrangeiro dizemos, com um sorrisinho, que mil anos de experiência, já dizia o outro, demoram pelo menos mil anos a adquirir.
Tudo terá começado, segundo quem estudou o nosso passado, que nós estudámos pouco derivado aos matraquilhos, com Viriato e a resistência às hostes romanas. É evidente que meia dúzia de pastores dos montes Hermínios não podiam fazer frente, de frente, a tão poderoso império. Como é que então o pessoal da Lusitânia fez? Não podendo pegar de caras, foi de cernelha. Moeu a cabeça aos centuriões até eles desistirem e dizerem despeitados que aqui vive um povo estranho, que nem se governa nem se deixa governar.
Depois veio Afonso Henriques, que não lhe chegava ser conde, queria ser rei. Afirmo que desconfio muito da vontade e do entusiasmo dos nossos antepassados do ano 1100, em relação à independência. Se houvesse Pátria, ainda se podia pôr a questão patriótica, mas o que havia era um território que não era do povo, mas de alguns da realeza de então, portanto o interesse de fazer Portugal, cá para mim, era apenas de Afonso e seus camaradas, os quais não queriam prestar vassalagem e pagar impostos, ainda que com o dinheiro do povo, não era com o deles. Eram uma espécie de adolescentes avant la lettre, na idade da rebeldia, com ganas de se emanciparem, para poderem brincar aos pais e às mães, reis e rainhas, sem a supervisão dos adultos. Ó Teresa, vai lá ver a S. Mamede o que é que o miúdo anda a fazer que está tão calado, disse o conde.
Para o povo portucalense, ser explorado pelo rei de Castela, pelo de Aragão, pelos reis magos ou pela nobreza que de Espanha se queria autonomizar, devia ser um pouco indiferente. Quem queres que exerça o direito de pernada, ó jovem noivo, servo da gleba em Guimarães? O sem-borgonha do Afonso castelhano, ou o desborgonhado do filho de Dona Tareja?
Mas o povo portucalense, talvez precisamente porque tanto se lhe dava, ergueu as sobrancelhas, num gesto de o que é que se há-de fazer, este agora quer ser rei, e lá ajudou Afonso Henriques a traçar um Estado-Nação, independente e novinho em folha, com terras e cidades conquistadas aos mouros e tudo. Ok, Afonsinho, se o menino insiste, nós vamos ver se damos um jeito.
E fomos por aí fora, cheios de pachorra, aceitando filosoficamente dias maus e outros bons, a dar jeitinhos e golpes de rins, a descobrir continentes, a folgar as costas enquanto os paus iam e vinham, a sobreviver como nação a um Sebastião e três Filipes, ao desbaratar do ouro em conventos de Mafra e coisas mais desnecessárias, até deus e a geologia nos pôr à prova, de forma brutal, a 1 de Novembro de 1755.
Agora é que eles se passam, pensou o mundo. Qual quê! Com calma, recuperámos do terramoto, saindo com menos traumas do que Voltaire e muitos filósofos, e ainda aguentámos os excessos do marquês de Pombal, certos de que, mais cedo ou mais tarde, o homem cairia em desgraça e nós ainda cá estaríamos prontos para outra. Lagarto, lagarto.
Passados anos, chega o Napoleão, na forma de Junot e, enquanto os outros países tentam conter as invasões e se esfarrapam para resistir ao irresistível, o que é que nós fazemos? Bom, a corte vai até ao Rio de Janeiro ver as escolas de samba e plantar jardins botânicos, como quem não quer a coisa, com a rainha louca e o príncipe regente a arrastar a esposa, a qual, por não ser portuguesa, não estava a perceber nada, desconhecendo essa manobra militar que alguns insistem em classificar de retirada, mas em Portugal se chama piranço estratégico, e toca a embarcar que eles já vêm na 24 de Julho.
Quanto ao povo, na falta de exército e fidalguia que faça frente às hordes napoleónicas, dá um jeitinho para os franceses caberem – entrem, mas não me façam muito mal – ao mesmo tempo que pede uma mãozinha aos compatriotas de D. Filipa, a de Lencastre e boa memória. Sempre fomos amigos. Se eles ficarem convencidos de que mandam na gente, deixa-os ficar. De qualquer maneira já tinham a nossa economia nas mãos e comandavam a nossa política externa, portanto…no problem.
Depois, na guerra civil entre miguéis e pedros, na crise do mapa cor-de-rosa, na decadência da monarquia, na confusão dos sidónios e dos possidónios, na primeira república, na ditadura salazarista, no PREC, na democracia estabilizada, na Europa, até hoje, no Portugal globalizado, foi, é e será sempre igual.
Em que outro país, digam-me lá, os militares fazem um golpe, derrubam um regime, tomam o poder e não descansam enquanto não o passam para a mão de políticos civis feitos à pressa que, salvo honrosas excepções, ainda em menos tempo ignoram, desprezam ou trucidam os libertadores?!”
Isto tudo para dizer que a história passada se repete, mais ou menos, pois os tempos mudam e a modernidade já não é o que era.
Assim, vejamos:
No texto anterior, altere-se o Afonso Henriques pelos Mário Soares e Sá Carneiro. Depois altere-se os Sebastião e Filipes por Paulo Portas, Guterres e Santana e uns quantos mais que vão igualmente desbaratando o ouro que ainda sobrava agora não em conventos e outras coisas desnecessárias, mas por amigos e amigalhaços que calmamente se encarregam de o distribuir pelos que anteriormente tinham fugido não apenas para terras de África, mas mais recentemente também para países civilizados onde o conforto e espera por dias mais felizes asseguravam a sua fortuna e poder.
Porque a história repete-se mas não de forma igual, felizmente não tivemos novo terramoto, mas a destruição material do património nacional foi assegurada pelos tais amigos e amigalhaços que seguiram os ensinamentos do tal marquês de Pombal, com reconstruções de menor qualidade e sem apego a planeamentos que levassem a melhor qualidade de vida, mas apenas e fundamentalmente para melhorar a qualidade de vida desses tais amigos e amigalhaços.
Napoleões já não existem como antigamente, mas substitua-se por Comunidade Económica Europeia e depois por União Europeia, e atente-se na fuga do Durão Barroso para Bruxelas como paga pela benevolência para com a invasão americana, pois sempre fomos amigos e se a Alemanha, França e Inglaterra de qualquer maneira já tinham a nossa economia nas mãos e comandavam a nossa política externa, portanto…no problem.
Guerra civil, nos moldes antigos, também não tivemos na história recente, até porque a república já cá estava e manteve-se, mas reduzidos à sua expressão mais ínfima os maiores inimigos das direitas deixaram de ser problema de peso, donde a vitória socrática veio para aclarar e fortalecer o que outros tentaram sem sucesso, manter o Portugal globalizado no que sempre foi, é e será: um país de merda!
(o texto inicial foi retirado do livro “10 Razões Para Amar e Odiar Portugal”, António Costa Santos)
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