quinta-feira, outubro 23, 2008

Heróis do Mar...



“Vai por mim, pá! Isto está por um fio.”
Confidenciava-me o Elias, lambe-botas profissional em part-time, sobre a crise e o modo como os portugas estão a reagir à coisa.
“O povo está farto, pá. Já falta pouco para vir tudo prá rua e dar um pontapé no Sócas e na sua pandilha, pá.”
Enquanto o Elias brinca uma vez mais com o telemóvel, dou por mim a pensar na minha avózinha que vive lá em cima no meio de montes e vales, cercada de pinho e eucaliptos, numa pequena aldeia sem nome, só com três habitantes e uma cabra, cujo único acesso é por uma tábua no cimo de um monte que se deixa escorregar por ele abaixo quando tem passageiros.
E penso na avózinha a largar a sua horta, a sua vizinha Anastácia viúva como ela, e o ti’ António que vive mais abaixo e sofre de artrite, mais a cabra que é propriedade comum, e vir por aí abaixo de enxada em punho destronar o Sócrates.
E penso também no Euclides, coleccionador de filmes do Steven Segal em DVD, leitor diário do Record, doente crónico do Benfica, devorador de telenovelas e do canal erótico, abandonar o filho ao sabor das ondas do Magalhães, mais a mulher que tal como o filho devora fast-food como se o mundo fosse acabar amanhã, mais o pópó que custou os olhos da cara e ainda custa mais a pagar mensalmente, mesmo depois de vender os orgãos da tia Ofélia a um traficante japonês, dizia eu, penso no Euclides a largar tudo e vir para a rua desalmariado com o respeitável propósito de esganar o Sócrates.
E penso também na dra Manuela Ferreira Leite empurrada pelo Pacheco Pereira, no meio da turba ululante, rodeada de muitas avózinhas da lavoura e muito Euclides suburbanos, mantendo mesmo assim um silêncio de arrepiar, só abrindo a boca de espanto perante o séquito apoiante de Santana Lopes à câmara de Lisboa, sem perceber onde se veio meter e porque se veio meter.
E penso que devo largar as minhas fantasias e perceber de uma vez por todas que por muitas crises, impostos, hipotecas, inflações, filas de espera, desemprego, sócrates, manelas, cavacos, santanas, durões e portas que lhe caiam em cima, o portuga ainda é capaz de filosofar a sua mediocridade com mais uma tirada do género “antigamente é que era bom!” e por fim fica em casa a babar-se com o telejornal e a chamar nomes aos políticos enquanto mastiga uma sandes de coiratos.
É claro que o Elias não sabe nada disto. O Elias ainda sonha com hordas de nunos alvares pereira a arrasarem o Terreiro do Paço e turbas de vascos da gama a fecharem a barra do Tejo com porta-aviões. E com o D. Sebastião subindo o cais das colunas no meio da neblina fazendo-se proclamar rei e resgatador da pátria. E com matilhas de políticos empalados à volta da estátua do José I. E com o Benfica campeão...

Que querem que eu diga mais?
Isto está mesmo por um fio...

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