sexta-feira, julho 18, 2008

Porque é que ninguém repara em nós?

Ainda mal refeito da bebedeira da semana passada, acordei com o som que a cabeça do Elias fazia contra a parede exterior do prédio, única forma de chamar algum inquilino dado que a campaínha da porta está avariada desde o terramoto. Por isso é que eu deixo a chave no canteiro de malmequeres à entrada, mas é evidente que o Elias não sabia disso. Embora cambaleante e com a testa ensanguentada, lá subiu os 14 andares do edifício, porque o elevador está avariado desde o 28 de Maio de 1926, e embora a sua vontade fosse enfiar-me a chave da porta no traseiro, chegou tão cansado cá acima que depressa a vontade se lhe esgotou.
Depois de uma sessão de massagens cardíacas e choques eléctricos, o Elias lá recuperou o seu estado normal embora com a testa um pouco mais recuada. A gaguejar e a revirar os olhos lá me informou que o Big Chefe ordenara que todas as investigações em curso fossem abandonadas. Como é possível? O que iria acontecer aos Loureiros? E ao Pinto da Costa? E ao Ferreira Torres? E ao processo Casa Pia? E à Operação Furacão? Quem seria afinal o nosso representante no festival “Gangster Europeu 2008”? O António Vitorino vestido à Al Capone?
E o esforço de toda esta gente, não seria recompensado? Pelo menos que o estado lhes pagasse as despesas com os advogados mais os subornos, para haver alguma justiça na decisão.
Bem tentei sacar mais informação ao Elias, mas o gajo é todo coisinho com o Big Chefe, um lambe-botas do piorio e nem com a tortura das canções do José Cid se abre.
Desconsolado, juntei os dossiers das investigações, as fitas gravadas, e as despesas de representação, e de uma acentada atirei tudo para a lareira. O quarto ficou um pouco mais quente, o que me fez acalmar o suficiente para libertar o Elias que já se babava com as canções do José Cid a tocarem sem parar nos auscultadores que eu, com técnica profissional, tinha colado aos seus ouvidos.
Quase cheguei a ter pena dele, mas foi só o quase que não sou dado a sentimentos.
Vai daí saímos os dois de casa e fomos beber uns copos ao Boca na Botija para esquecer.

A meio caminho o Elias pergunta-me em tom amigável:
“-Achas que o Berlusconi vai ganhar outra vez o Festival?”
Pensando bem até é possível que sim. Os verdadeiros vencedores não escondem a cara, vão até ao fim de peito aberto e sem se escudarem em organizações, associações ou fundações.
É por estas e por outras que ninguém repara em nós e o país não vai para a frente.

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