segunda-feira, janeiro 08, 2007

Deram cabo de mim

Passei-me. E agora creio que foi de vez. Foi cravado o último prego no caixão da minha sanidade mental. A discussão em torno do aborto deu definitivamente cabo de mim. Tivesse eu nascido mulher e já teria abortado dez vezes seguidas face ao que tenho visto e ouvido sobre o assunto nos últimos tempos. Por isso, não se queixem desta profunda crise de mau gosto. Não estou em mim.
Se o NÃO ganhar, juro que nunca mais terei uma única relação sexual na minha vida, nunca mais farei um filho, e tentarei impedir por todos os meios que mais alguém os tenha. Nem que me suicide à bomba na maternidade Alfredo da Costa. Se o SNS fosse pagar os abortos caso o SIM vencesse, então este serviço não teria de pagar mais nada. Nem um parto, nem uma operação ao apêndice, nem um transplante de medula, nem uma lipoaspiração, nada, rien, niente. Sejamos coerentes. A saúde não se paga, beatifica-se. Quem tiver uma dor de dentes que recorra ao prior da freguesia, quem tiver SIDA que vá direitinho pró inferno, quem necessitar de um coração novo que vá a pé, de rastos ou de trampolim até Fátima, reze 200 ave-marias e 300 pai-nossos, beije a mão ao bispo. Quem sofrer as tentações da carne que opte pela vergasta do verdugo, que se autoflagele em público em plena procissão e à vista de todos incluindo o patriarca. Não há mal que a santíssima igreja católica-apostólica-romana não cure. E por último a solução final: castre-se o pecador/a à nascença, e recorra-se à emigração para ocupar os lugares vagos pela ausência de nascimentos. Não faltarão criancinhas para adoptar ou para alugar. Os defensores do NÃO assim o exigem. É a sua sobrevivência que está em causa.
Por outro lado, se o SIM ganhar, abrirei uma clínica, ou melhor uma rede de talhos disfarçados de clínicas em todas as capitais de distrito, onde os abortos até às dez semanas serão seleccionados, separados, retalhados, temperados e amassados até encherem quilómetros e quilómetros de cordões umbilicais e vendidos como chouriços de Arganil aos teóricos da defesa da vida. Não há-de haver aborto que me escape, todas as mulheres serão vigiadas e catalogadas. Os machões, os violadores, os tarados sexuais receberão subsídios para espalharem a sua semente pelo erário feminino. E seremos todos nós a pagar o festim, rapaziada! E é bem feito porque andam todos a mangar com a gente e a gente a ver! As Zézinhas, os Gentis, os Bagões, os Borges, os Jardins, os Mendes, os Sócrates, os Cavacos, os Rios, o Millenium BCP, o Espírito Santo, o Papa, o Marco Paulo!
Quando não existe discussão séria sobre um assunto encontra-se a solução mais fácil: o referendo. Assim o governo não se compromete, a oposição não se compromete, o povo não se compromete, ninguém fica comprometido. E o problema é uma vez mais atirado para trás das costas, para o limbo do esquecimento, para a clandestinidade.
Agarrem-me, vistam-me uma, não, duas camisas de forças, agrilhoem-me a um bloco de cimento, guardem-me na masmorra mais funda do Miguel Bombarda.
Conseguirem dar cabo de mim...

1 comentário:

  1. e ninguém fala na interrupção voluntária da criação musical. - O ABORTO MUSICAL. É crime?
    Será o embrião musical já música ou não ? Até às quantas semanas de gestação ainda não se considera música? Técnicas de aborto musical ? O aborto musical na sociedade ocidental ?
    Quais os meios contraceptivos musicais e as doenças musicalmente transmissiveis?

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