quinta-feira, agosto 03, 2006

Sensibilidades


O israelita apontou-me a bazuca de fabrico americano e riu-se na minha cara.
Respondi-lhe, olhe que não, não sou nem árabe, nem palestino, nem muçulmano, chiita, sunita, ou o raio que me parta, tenho, isso sim, 4 filhos lá em casa a quem tenho de dar de comer, sendo um deles adoptado, outro do qual não sou o pai, e os outros dois sofrem de alergia e febre dos fenos. O israelita pareceu hesitar em premir o gatilho, eu suspendi por um milésimo de segundo a respiração, e nesse milésimo, naturalmente, fiquei sem respirar. Do outro lado da fronteira alguns palestinianos libaneses ameaçaram bater em retirada mas os tipos do Hezbolah não deixaram. O israelita da bazuca pareceu compreender a minha posição e deixou-me ir. E eu fui, atravessei a fronteira e logo um soldado com a farda do Hezbolah apontou-me a bazuca de fabrico russo à cabeça e riu-se na minha cara. Têm sentido de humor, os nativos deste sítio.
Mostrei-lhe a fotografia dos meus filhos, adoptivo incluso, mais a da minha esposa em trajes menores, o cartão de eleitor e o de descontos no Minipreço, e jurei-lhe a pés juntos que não era nem judeu, nem inglês, nem pró-americano, era, e isso era a pura da verdade, funcionário público em Fornos de Algodres, com uma dívida ao banco pela casinha que comprara, o carrinho que era a luz dos meus olhos, a amante ucraniana que dançava na discoteca "El Andaluz", enfim, um mártir das circunstâncias. Ainda não tinha acabado e já o tipo deixava escorrer uma lágrima tímida pela bochecha, fungou, voltou as costas, atravessou a fronteira e foi entregar-se ao israelita da bazuca americana que de imediato o fuzilou com uma bazucada certeira no umbigo.
Depois, foi um chuver de bombas sobre os civis libaneses que nem tiveram tempo de bater em retirada.
Há povos muito sensíveis em algumas partes do mundo.

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