À beira-mar algures numa qualquer praia deste país para lá da à-beira-crise
plantado. Uma canícula de rachar. A brasa é tanta que até assa canas à sombra.
Aos poucos e poucos começa-se a formar uma ilhota de chapéus de sol às cores
para todos os gostos. Impelido pela curiosidade, levanto o rabo da areia, arrastando a toalha,
disfarçando com um assobio e um olhar disfarçado para as gaivotas, infiltro-me na ilhota. Estendo a toalha, sento-me e passo a observar.
Ao meu lado esquerdo, um casal de velhotes, vestidos dos pés à cabeça, dormitam sentados em cadeiras de lona um de cada lado do chapéu aos quadrados azuis e amarelos, com berloques
pendurados, enquanto o netinho se entretem a despejar areia para dentro do saco da merenda, aterrando sandes, saladas e bolos. O vôvô abre, por instantes, um olho: O que é que estás a fazer, Joãozinho? Nada, avôzinho, só estou a brincar com a areia!
Do lado direito, o banhista típico portuga, acabadinho de poisar. Ele, +/- 45 anos, pança descomedida, a caír sobre a tanga, bem ao estilo machão, vai dando ordens com o cigarro ao canto da boca. Ela, a D. Micas, bem farta de mamas e de pneus, tudo isto encafuado num fato de banho do tempo da Maria Cachucha e três números abaixo do tamanho apropriado, cumprindo as ordens do sê home, tentando enterrar o chapéu na areia, estender as toalhas, montar as cadeiras, colocar os sacos junto, espalhar a tralha dos filhos, enquanto lhes vai dando
uns calduços. Cumprida que está a tarefa, ocupam o território e começa o relaxe. O casal é amante da leitura. O panças devora A Bola e o Record. A D. Micas, embrenha-se na Maria, na TV Guia e nos Signos. Das crianças, essa cambada, o puto lê o Harry Potter, enquanto escarafuncha o nariz em busca de macacos, que depois de transformados em bolinhas, atira, de seguida para cima da toalha do vizinho, aonde se já vai formando uma sementeira, que ele nem se apercebe porque dorme, roncando que nem um porco, após ter bebido um café com
cheirinho e um bagaço para o caminho. A mulher, sentada na toalha, com os olhos fixos no mar, recorda o tempo de casadinhos de fresco, ele todo galã e ela, um peso-pluma, 52 Kg de corpo cheio de curvas, e as "brincadeiras" dentro de água. A miuda, gorda, com a boca e mãos lambuzadas do bolo com chantilly, brinca com a Barbie, despindo-a e vestindo-a vezes sem fim. Cansa-se da brincadeira e vai até à borda de água. A D. Micas ouve a filha chorar e grita:
- Ó Vitas, vai ver o qu'é que a mnina tem, que t'á a chorari!
O puto, sem levantar os olhos do livro, responde:
- Tem areia na'ona!
O pai enfia-lhe um palmadão na carola e esboça um sorriso amarelo na minha direcção.
Á minha frente um par de namorados, trocam beijos e apalpões, intervalados com iogurtes e fruta.
Vou dar um mergulho. A água está óptima. Um casal arrasta os calcanhares na
areia e, de saquinho na mão, vão juntando as cadelinhas, que saem debaixo dos pés.
Um puto armado em malandro, mergulha de chapão na água, molhando-me todo.
Apetecia-me agarrá-lo pelos pés e enfiá-lo na água, de cabeça para baixo.
O casalinho do marmelanço dirige-se à água. O rapaz deve de estar a precisarde "resfriar", mas por pouco tempo, porque o rossanço recomeçou ali mesmo com a água pela cintura. Ai, que
tesão que o amor dá!
Volto para a toalha.
- "Bolinhas de Berlim ... quentiiiinhas!" Grita o homem que traz a caixa dos
bolos ao ombro. Grande alvoroço.
Os putos gritam : - Ó pai...quero uma bola! - Não! responde ele. "- Ó pai, vá lá,
compra uma bola ... fogo!"
Uns cedem outros não. Os sortudos correm na direcção do homem, lançando
areia por cima de tudo o que é toalhas e pessoas. Os outros, armam birra, berram que nem uns desalmados e levam na corneta para se acalmarem.
O roncos acorda, mal humorado, come uma sandes de presunto, mama uma bejeca, arrota, coça a tomatada e vai molhar os pés. A mulher, apática, mordisca uma maçã e volta à apatia.
O panças, a D. Micas e a prol começam a tomar balanço para ir até ao restaurante deitar a baixo uns entrecostos grelhados, com batatas fritas e uma garrafa de tintol para os dois e umas Coca-Colas para os putos.
Assim como cheguei, saio de mansinho, arrastando a toalha.
Olho para trás. A ilhota esfumaça-se no tempo e no espaço.
Biiiiiiiiiiiiii! Seis horas ... sacana do despertador.
1º kabodserviçoàpipa
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