quarta-feira, fevereiro 16, 2005

O Debate

Isto está a aquecer. E vem mesmo a calhar a irmãzinha ter batido a bota nesta altura. Deus não dorme e não esquece os seus fiéis. Bem me dizia o Bagão por entre a reza do terço no concelho de ministros: Pedro, vai por mim. Quanto mais pecares maior o teu arrependimento. E quanto mais te arrependeres mais Deus se lembrará de ti.
E assim foi. Quantas vezes me arrependi na vida? Tantas quantas as vezes que desisti de fazer alguma coisa. E agora vem este milagre, ouro sobre azul.
Como 1º ministro decretei luto nacional e suspendi a campanha. Claro que os bispos comunas não perderam a oportunidade, e vai de chamar oportunistas a quem, como eu, sente uma enorme tristeza no peito pela morte de um ser tão importante, como se chamava a fulana? Vai daí, gravata preta sobre camisa branca e toca a ir ao debate na TV que se faz tarde. O Paulo traíu-me, não traz gravata preta. Começo a ficar desconfiado com a defesa que ele faz dos seus ministros. Então não andámos todos no mesmo barco a fazer o mesmo frete? O que andavam esses ministros a fazer enquanto eu curtia nas boites? Iam à missa? Começo a sentir mais uma facadinha nas costas...
O filósofo atira-se a mim com todas as unhas e dentes e eu perco-me no decote da moderadora...O que disse o gajo? O fuínha com voz de padre também começa a desancar-me. Irrita-me este gajo. Onde estará o fazedor de boatos? Este gajo bem merece um, tipo pedófilo, pederasta ou coisa assim. Ainda bem que o comuna errouqueceu. É menos um a chatear. E além do mais o homem tem mau aspecto, com aquela fuça cheia de rugas, mais parece um operário. É a minha vez de falar. Ainda bem que trago a lição bem estudada. Estas frases custam um pouco a decorar, já o dedinho da mão dobrado a fazer um zero (porquê um zero?) não me custa tanto a fazer. É quase um tique. O fuínha fala não sei quê da fusão de bancos, da isenção fiscal, coisa complicada. O filósofo atira-se a mim, últimamente anda muito atiradiço. Intervalo.
Telefono ao Elias que já teve alta do Júlio de Matos. O que é isso da fusão de bancos, que merda é essa que fizeram que eu não sei de nada? O Elias, como sempre bem informado, explica que no passado o governo do filósofo fez o mesmo. Este Elias é magnífico! Sabe tudo! Não sei se fiz bem em admitir o Delgado...
O debate prossegue. Respondo ao filósofo que o governo de que ele fez parte também arranjou umas benesses à banca. O fuínha diz que eu estou a desculpar o meu erro com os erros dos outros e que isso é muito feio. Será que este gajo pensa que eu sou algum puto malcriado? No meio de tudo isto o Paulo continua calado, e só fala para se elogiar e elogiar os seus capangas: o Bagão para aqui, a Zézinha para acolá, não sei quê, não sei quê...
Final do debate. Respiro de alívio. A moderadora continua a provocar-me com o decote. Cumprimento democráticamente os meus adversários, dá sempre um bom efeito na TV quando passam o genérico final. Telefono ao Elias para lhe agradecer. Mas o gajo está de novo internado, parece que se esqueceu de tomar os comprimidos.
Meto-me no Jaguar, seguido pelos guarda-costas no Mercedes, os mercenários no Toyota, o general no BMW, os bombeiros no carro de bombeiros, os paramédicos na ambulância, as coristas no Clio. Pelo canto olho vejo o Paulo a sussurrar qualquer coisa ao filósofo. Engato a 1ª e saio dali com os pneus a chiar. Encontro-me com o professor no Boca na Botija, e não resisto, começo a chorar no seu ombro. O professor enxota-me, nada de confiança, diz, deixa-me ler os 386 livros que me restam esta semana. E eu que fiz tudo o que ele me pediu para que fosse para a TV pública ganhar um balúrdio! Ingrato!
Despeço a comitiva e fico só com as coristas. Combino com elas um programa especial para dia 20 à noite. Largo a gravata preta no contentor do lixo e rezo uma ave-maria, não vá alguém estar a ver.

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