sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Crónicas da República da Desbunda

Quando o Cabeça de Gel aceitou candidatar-se ao lugar de Supremo Sacador-mor do povoado de Aobsil, a Múmia teve um súbito ataque de mau humor o que assustou alguns aracnídeos residentes entre as suas ligaduras. A sua imagem de impoluta competência tremelicou na opinião pública face a tal decisão, mas não abalou os alicerces da idéia generalizada: a Múmia estava já muito carcomida e tinha o sarcófago muito mal cuidado pelo que o melhor seria esperar por melhores dias, ou seja, o suicídio do Filósofo, que ocupava a Suprema Cadeira de Marioneta Sugadoura, cargo apetecível devido aos cafés à borla e citação vitalícia na História da Desbunda. Mas apesar de todas as contrariedades, o Filósofo permanecia de pedra e cal sentado na mesma cadeira que outrora pertencera ao Cavernoso Vampiro do Reino, trespassado acidentalmente por uma perna da mesma cadeira quando bebia o seu copito de sangue diário.
O Inchado Barbudo Pensante, amante platónico incondicional da Múmia, bem bombardeava o buraco do Filósofo com granadas e bostas de burro fabricadas em Alcochete, bem atiçava os escribas e delatores a afixarem em todas árvores os desmandos do arrogante Filósofo, bem escrevinhava loas de desagravo à Múmia e cuspidelas de nojo ao dito, mas nada resultava. E agora, para estragar ainda mais a festa, o Cabeça de Gel saía da toca e propunha dar conta do arranjinho, dado que era fidagal inimigo do Inchado Barbudo Pensante, que o considerava inferior em volume cerebral devido a analfabetite crónica contraída em alguns bordéis afamados do Reino.
Quando a Confraria dos Pés de Meia rebentou pelas costuras devido a uma bactéria contraída nas Bahamas que infectou o interior do calçado dos depositantes e aderentes provocando comichão e buracos na sola dos pés, o Filósofo, qual bom samaritano, logo ali disponibilizou palmilhas e chinelos de quarto, bem como algumas botas texanas para os menos necessitados não fosse o demo tecê-las. É evidente que tanto a Múmia como os outros pretendentes à cadeira Sugadoura logo aproveitaram a ocasião para dispararem os seus dejectos em direcção ao prepotente Filósofo, que se entricheirou no seu castelo defendido pela sua guarda pessoal de Lambe-botas no activo. O homem conseguia resistir até às investidas do Queixo-Rabeca, o mais alto funcionário da Desbunda, que assim fazia os possíveis para atropelar os seus poderes meramente decorativos de Bibelot Delirante da República.
A Ralé ia assistindo preguiçosamente ao evoluir dos acontecimentos, sem esconder o seu natural aborrecimento, só quebrado quando o torneio das Cavalgaduras da Bola no Pé atingia o rubro com alguma sentença judicial favorável ao adversário do momento. Entre um bocejo e uma piscadela de olho às notícias das Cavalgaduras, a Ralé lá ia debitando alguns elogios alternados com insultos ao Cabeça de Gel, à Múmia, ao Filósofo, à Confraria dos Pés de Meia, ao Queixo-Rabeca, e a todos os outros de que só sabia o nome por alegadas ligações a escândalos ou a telenovelas do momento.

A Ralé já não saía desta rastejante normalidade por muito que lhe doessem os esfíncteres. Já estava malhadiça, a filha da puta.

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