quarta-feira, novembro 05, 2008

É tudo uma questão de ponto de vista

O tio Américo, que está na América, telefonou hoje às 4 da manhã audivelmente em estado de choque. A campainha do telefone acordou toda gente cá de casa dado o seu toque estridente, para terem uma idéia, imaginem os carrilhões de Mafra a viverem em comuna no vosso próprio quarto... A avó Urzelina atendeu o telefone , depois de sacudir as vibrações causadas pelo som,. Afinal o tio Américo estava em estado de choque por causa da vitória do Obama, que assim não podia ser, um preto na Casa Branca, onde já se viu, não foi para isto que emigrei para a América depois dos russos e cubanos nos terem surripiado o império, a América, até agora um país respeitável, poderoso, onde toda a gente tem direito a enriquecer menos os pretos, os hispânicos e os asiáticos, a pátria de tão grandes patriotas como o John Wayne, o Charlton Heston, o Buffalo Bill, o Schwarzeneger, o SuperHomem e o Tio Patinhas, a pátria de tão louvadas instituições como a CIA, o Pentágono, o FBI, a Coca-Cola e a Ku-Klux-Klan, a pátria que defendeu o mundo do comunismo na Coreia, no Vietname, no Chile, em Salvador, e que nos está a defender agora da ameaça dos mouros, foi essa mesma América que traiu tudo e todos elegendo um preto e ainda por cima com um passado duvidoso de simpatizante da moirama, não pode ser, disse o tio Américo, vou emigrar para Portugal e é de vez!
A avó Urzelina, a quem eu gabo a paciência de santa, respirou fundo e acendeu um havano enquanto punha aquele ar de só ela sabe de quê. Respondeu que sim, que o tio podia vir, sempre se arranjava um espaço para meter mais um colchão, que tanto eu como a prima Ossétia estávamos em pulgas para o receber de braços abertos
(a avó quando quer também sabe mentir).
Pensei no pobre tio Américo, na perda que sofreu com investimentos recentes na bolsa de Nova Iorque, nas tampas que levou da prima Ossétia, e no seu fetiche por mulheres de óculos, uma das causas da sua adesão ao candidato republicano e à sua vice Sarah Palin.
Se bem que os cinco dólares que o tio Américo nos envia mensalmente nos ajude a reduzir as despesas familiares, todos nós sabemos que os laços familiares devem ser preservados, mas o tio tem um feitio muito especial que refinou depois de tantos anos lá pelas Américas. Além de ter ganho um sotaque texano, ressona que nem um bisonte americano e não me estou a ver partilhar o quarto com ele. Além disso já o partilho com a prima, às escondidas e de vez em quando, e até penso que avó Urzelina já anda desconfiada, pois aquele olhar com que nos brinda quando sopra o fumo do havano pode querer dizer muita coisa, mas só ela o sabe.
Seja como fôr a gente por aqui até simpatiza um pouco com o Obama, e é uma questão de tempo até o tio Américo voltar para lá, se é que vai mesmo sair. O que é pena, pois a prima já não sabe o que há-de fazer a tantos pares de óculos à Sarah Palin que o tio lhe enviou recentemente e que agora talvez lhe venham a fazer falta para amenizar as suas vistas curtas.

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