Às segundas-feiras acordava com a sensação do incompleto. Alguma coisa faltava para que este dia fosse tão feliz como o sábado ou o domingo, ou, porque não, as tardes de sexta-feira. Levantava-me com alguma dificuldade e sono adiado e dirigia-me rastejante à casa de banho. Invariávelmente o espelho devolvia a imagem de um ser distorcido, repelente, um verme esponjoso ou insecto quitinoso saído de alguma metamorfose de Kafka. Nem a higiene matinal, por muito que esfregasse, escovasse, rapasse ou lavasse, conseguia devolver a minha vulgar aparência humana. E acontecia sempre às segundas-feiras. Às segundas-feiras a comida não tinha gosto, os sapatos não tinham graxa, as calças não tinham vinco, as camisas não tinham goma, o telemóvel não tinha rede.
Ia para o trabalho sonolento, ao volante do meu Bentley em quinta mão, único sobrevivente de heranças passadas para além do gato empalhado do avô. Gramava uma hora e meia de fila de trânsito, tal qual um carreiro de formigas parado e sem destino visível até deparar com o formigueiro fruto de depressões e abusos de poder. Os outros vermes e insectos (às segundas-feiras não era o único, felizmente) lá se distribuíam pelos buracos, ninhos, colmeias e até folhas de couve apodrecidas.
Mas o pior era aturar o Escorpião. O bicho tinha um feitio terrível, dava-se de ares e ameaçava tudo e todos com uma ferroada certeira. Por causa dele a Umbelina estava em estado vegetativo há dois meses, o Aniceto uivava à lua e o Remualdo afiava a faca de cozinha na pedra de amolar com o olhar assassino cortado pelas fagulhas, jurando vingança. De quê não sei.
Foi assim até ao dia do discurso. Por acaso a uma segunda-feira. O Presidente falou, e falou, e falou sem parar durante dezoito horas seguidas, e ao culminar as dezassete horas e cinquenta e nove minutos o Escorpião suicidou-se, autoferroando-se. De imediato a Umbelina passou de vegetal a animal, o Aniceto largou a atitude canina, o Remualdo guardou a faca de cozinha. Todos os seres repelentes entre os quais eu me incluía voltaram a ser os vulgares humanos de todos os dias excepto às segundas-feiras. O Presidente foi reeleito e com direito a estátua na Avenida Principal. O seu 1º decreto foi para revogar oficialmente as segundas-feiras do calendário.
Não sei porquê, mas agora tenho a sensação de que todos os dias são segunda-feira...
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